“Nossas grandes transições”, por Flávio Gikovate

Desconsidero aqui a primeira e maior das transições, que é a do nascer, assim como a da morte. Penso nas dificuldades que uma criança tem ao perceber que está prestes a se tornar adolescente; quando percebe a chegada dos primeiros sinais da puberdade, ansiada por um lado e temida por outro. Sim, porque mudar de condição, deixar de ser criança – com direito a uma boa dose de irresponsabilidade – provoca medo, já que não se sabe exatamente o que esperar, como se comportar, quais são as novas vantagens e desvantagens. Por outro lado, na atualidade, a chegada da adolescência é percebida, especialmente pelas meninas, como muito interessante, já que se preparam para o exercício da sensualidade desde os 7-8 anos de idade e sentem os primeiros gostos por atrair olhares de admiração. Quanto aos meninos, sentem menos pressa e talvez mais medo dessa evolução inexorável. De todo o modo, a verdade é que, em ambos os sexos, muitos expressam claramente o desgosto por crescer e que adorariam ser crianças para sempre.

A adolescência e os primeiros anos da vida adulta correspondem a um período extremamente gratificante para uns e um tanto sombrio para outros. Os mais populares, os que se dão bem com os eventuais parceiros sexuais e/ou sentimentais e gostam dos programas típicos dessa idade – baladas, bebedeiras, conversas de botequim, estudos levados de um jeito não tão sério… – curtem muito o período e gostariam que ele não terminasse jamais. De fato, muitos tentam estendê-lo por tempo indeterminado e são hoje chamados de “adultecentes”. Os mais tímidos, reservados, pouco afeitos às atividades sociais e mais dedicados aos estudos aproveitam menos essa fase, mas se encontram mais preparados para avançar, de modo que chegam à maturidade de uma forma mais natural.

A fase adulta é, sem dúvida, a de maiores responsabilidades e a mais desgastante. Corresponde ao período em que as pessoas costumam ter que se estabelecer profissionalmente, tentar consolidar alguma estabilidade financeira, casar, ter filhos, por vezes cuidar de pais mais idosos e necessitados… É claro que existem várias transições que acontecem ao longo dessa fase que dura três a quatro décadas: o próprio casamento aparece como cheio de tensões e medos para os noivos, as gestações provocam desconfortos que vão desde os ciúmes do novo membro da família até a preocupação com sua saúde; não são raros os que terão que enfrentar a dramática transição do divórcio e eventuais segundas e terceiras uniões, além dos dilemas com os filhos; a regra é que acompanhem doenças e morte dos parentes mais velhos e tenham que assumir responsabilidades crescentes. Enfim, tudo muito difícil; as crianças não estão tão equivocadas quando não querem crescer e os adolescentes que não querem amadurecer também têm suas boas razões!

Apesar de tudo, hoje vivemos o período em que a vida adulta e suas graças (eróticas, sentimentais, o consumismo, as viagens, os avanços profissionais…) estão em alta, de modo que muitos tentam adiar ao máximo a próxima transição, qual seja a do envelhecer. As cirurgias plásticas indicam exatamente esse desconforto das pessoas ao terem que conviver com a perda de viço de seus corpos, a diminuição da libido, com os cabelos brancos, a calvície. Da mesma forma, a aposentadoria aparece como grave ofensa à vaidade, já que o papel social se tornará menos prestigiado, o telefone tocará muito menos, a pessoa não mais se sentirá indispensável.

Em certos aspectos, e quando a saúde ajuda, essa terceira e última fase da vida se assemelha muito à da adolescência: as responsabilidades diminuem, os filhos já estão crescidos, já se sabe o que deu certo e o que deu errado (e essa é uma grande vantagem sobre os anos da juventude). É claro que um lado difícil dessa fase é a proximidade da morte, percebida como dramática e apavorante pela maioria. Assim, muitos tentam se manter ativos como se ainda fossem moços para parecer que o horizonte ainda é bem extenso. A própria diminuição do ritmo de trabalho, quando não bem entendida, pode ser sentida como ócio, desocupação que provoca o tédio, uma espécie peculiar de depressão na qual a pessoa não vê sentido algum para a vida.

A verdade é que a velhice, quando saudável, pode ser uma fase excelente, mais leve e gratificante. Isso se a pessoa conseguir se adaptar à nova condição, coisa nada fácil, já que a capacidade de mudar costuma diminuir com os anos e muitos são os idosos que “cristalizaram” suas convicções e formas de ser. Todas as transições exigem competência para adaptação e a velhice deixa de ser bem aproveitada por aqueles que não entenderam que a diminuição da mobilidade física não precisa vir acompanhada de igual rigidez psíquica!

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