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No amor, é melhor um fim horroroso que um horror sem fim.

De todas as máximas sobre o amor, a que mais me fala e mais me cala é esta. “Melhor um fim horroroso que um horror sem fim”. Tudo bem, compreendo se você prefere aquele outro chavão: “amor de verdade não acaba, se acabou é porque não era amor”. Respeito, mas sigo achando que lá pelas tantas, vira e mexe, o amor pode acabar, sim. Fazer o quê?

Certo é que ninguém em pleno gozo de suas faculdades amorosas embarca numa história de amor já pensando em pular fora no primeiro solavanco. A gente tenta, mas de quando em vez acontece de a locomotiva enguiçar, do barco furar, do avião cair. De vez em quando acaba mesmo. E quando acaba, é melhor que acabe logo, de uma vez, no susto. No pulo, da noite pro dia, num piscar de olhos, na volta da feira, como a sacola que rasga no fundo e espalha tomates e laranjas, limões e mexericas na descida. Sem volta.

Porque há pouca coisa mais triste na vida, minha gente, há pouca coisa mais miserável e aborrecida que amor definhando. Amor que morre aos poucos, agoniza moribundo, sofre exaurido, semimorto, matando sua sede a conta-gotas onde ontem mesmo jorravam emoção, interesse, entusiasmo, fascínio. Coisa horrível de tão triste o amor que adoece e vai partindo aos pouquinhos, diminuindo, rareando, minguando, se despedindo.

Amor é para ser inteiro, repleto. Mesmo na calma e na doçura tranquila que sucedem uma paixão louca, o amor carece de inteireza. No sossego de uma tarde sem programa, sem projeto, no arroz e feijão requentado de dois dias atrás, na falta de assunto que uma hora acomete toda gente, no silêncio bom da convivência mansa, quem ama precisa saber e sentir que o faz de verdade. Não que apenas cumpre tabela ou quer tão somente agradar o outro enquanto tenta se convencer de que está feliz.

É triste, mas vontade de sentir amor não é amor. É só vontade de sentir amor. É só uma velha e boa intenção. E de boas intenções também andam cheios os corações devolutos.

Não basta. Tentar resgatar o que se foi, a alegria do começo, o frio na barriga inicial, a paixão louca, tudo isso é não se dar conta de que o caminho acabou. Vem o desgosto, se instala horroroso e a gente nem percebe. É preciso encontrar uma outra via. Juntos ou separados, amantes na agonia do fim devem seguir, encontrar outras veredas. Mas não. Quase sempre, em vez de fazer isso rápido, prolongam seu sofrimento inútil como quem procura castigar o espírito e purgar a culpa de ir embora.

Quando nos achamos no controle do amor é que somos ridiculamente controlados. Porque o amor não se controla. A gente cuida bem dele, rega sua sede, ouve suas queixas, alimenta suas fomes, leva ao passeio, ajeita sua coberta que cai da cama durante a noite. Mas a despeito de tudo isso o amor também se acabrunha sem mais. E quando adoece nem sempre resiste.

O amor também sucumbe.

É injusto, doloroso e insuportável assistir a um amor que foi tudo se tornar nada. Dói na alma ver a ternura enfraquecer até inexistir, como um doente velho e fraco que se acaba na cama de um hospital, pendurado no fim da linha pela misericórdia fria das máquinas, a vida escorregando de seus olhos, a morte distorcendo sua face. A gente evita, e quanto mais a gente nega, mais sente dor.

Para os seres amorosos, não corresponder a um amor é tão dolorido quanto não ter o seu amor correspondido. Amor quando acaba, ou quando não é, dói mesmo. Dói nos amantes e em quem estiver perto. É dor para todo lado. Então é melhor que doa muito mas que doa logo. E que acabe depressa com isso. No amor, é melhor um fim horroroso que um horror sem fim.

Depois, sempre ajuda ter por perto aquele outro clichê. Só o tempo. Só o tempo cura. Só o tempo há de fazer a dor passar. Só o tempo. Só o tempo.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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André J. Gomes

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