Por Nara Rúbia Ribeiro

O que fazer quando, num repente, a Terra rejeita a carícia dos nossos pés? Quando ela, mãe maior, treme e sua superfície se abre em sulcos, estrias, crateras? Quando a efemeridade da Vida se nos mostra patente? Quando montes, monumentos, prédios centenários que há pouco desfilavam a sua imponência frente a nossos olhos agora são ruínas sem qualquer traço de encantamento? Quando o mais forte de nós duvida da sua força? Quando homens, mulheres e crianças que há pouco sorriam jazem soterradas? Quando a destruição é cenário e a dor, protagonista?

O Nepal alterna, hoje, entre a angústia e o desespero. Angústia do sonho destruído, do trabalho desfeito, do futuro arquitetado com esmero agora embaralhado pelas mãos do acaso. (Seria o substantivo “acaso” um outro nome de Deus?) Angústia de tudo o que era e parecia eterno e hoje pouco ou nada é. E a dor vem na pontada do “por quê eu, por quê nós, por quê o Nepal?” A pergunta ecoa e não há respostas. Não há culpados. Não existe razão. O desespero de observar, nas lembranças, um ontem que achávamos permeado de imperfeições e que hoje parece uma joia lapidada frente ao que se nos mostra real, bem diante dos nossos olhos. O que sonhar do futuro se das estrias da Terra não brotar nenhuma nova esperança?

A dor do outro, tão distante, pode nos ser indiferente. Podemos passar distraídos diante dos jornais e rir enquanto contamos piada aos amigos se o noticiário nos entrega o sofrimento dessa catástrofe. Não sofrer, não exercer a nossa empatia diante da desolação de todo um país é uma escolha moral e temos o direito de fazê-la, mas perdemos muito se assim o fizermos. A dor é sempre a escola maior. Ela é fonte macro da poesia que nos acorda e da sabedoria mais profunda que nos faz enxergar o fundo da alma, onde só reside o que é eterno.

A desolação do Nepal nos faz acordados para o fato de que a vida que vemos é uma inverdade: os ganhos, os lucros, as metas… Enxergamos que aquilo que aqui construímos não é parte de nós e que o que temos não se confunde com o que somos. Ao meditarmos em catástrofes de tamanha magnitude, nos perguntamos se aquilo a que nos dedicamos é real, é algo advindo dos foros mais nobres do peito, das entrâncias mais caras da alma, ou se seria a vaidade o que nos move. A vaidade se dissipa em si mesma e o seus produtos podem ser esmigalhados por forças naturais, mas a generosidade é um moto-contínuo, sua ação, embora no invisível, se agiganta e se perpetua no tempo e no espaço.

Viver é estar disponível e não sabemos a quê ou a quem. Quando o inesperado nos colhe, é porque estávamos disponíveis, vivendo. Essa disponibilidade é inerente à nossa condição de viventes. É preciso tirar da dor a melhor das lições, a de que a vida não tem garantias. De que o vivo nunca está seguro. De que o bem mais precioso que há não é o ouro ou a prata: é o Tempo. Ele é quem nos entrega, segundo a segundo, o intervalo necessário para que vençamos as nossas ignorâncias, superemos as nossas deficiências íntimas, vençamos as vaidades e sejamos maiores do que somos.

O Tempo nos mostra que as estrias da Terra podem engolir marcos de uma civilização inteira, mas que, espelhadas em nosso peito, essas estrias podem soterrar as equivocadas inclinações do nosso espírito. Que dessas estrias, após cicatrizadas, brotem ainda, no Nepal e em todo o mundo, a esperança, a força e a fé num sempre novo amanhecer dentro de nós.

Nara Rúbia Ribeiro

Escritora, advogada e professora universitária.

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