Ontem acabaram minhas férias, quinze dias de puro luxo.

Como já disse Danuza Leão, existem luxos e luxos.
Obedecendo a cartilha da colunista, estive em Buenos Aires com o livro “De malas prontas” debaixo do braço, cheio de dicas.

Seguimos a recomendação de tomar o chá da tarde no Alvear, hotel tradicional do bairro Recoleta. Sentados diante de uma mesa com porcelana centenária e canapés minimalistas, olhava para os lados e me perguntava quem é que estava se divertindo ali. Tudo bem, de vez em quando é bom entrar no clima, tomar uma taça de champagne no meio da tarde com o marido, mas aquilo de beliscar micro-sanduichinhos e comer tortinhas decoradas com frutas em compotas, certamente não faz parte de minha natureza nem do meu “requinte”.

Dias depois, de volta ao meu ninho, o frio chegou a Campinas. Numa tarde de puro ócio com meu filho, partimos para o clássico piquenique na cama. Ele decidiu fazer uma barricada de almofadas e cobertor, enquanto preparei pão de queijo e chocolate quente. Um clichê luxuoso acompanhado da série “Anos Incríveis” (tenho os episódios gravados da ‘Cultura’, e meu menino não conhecia). A poesia do seriado nos preencheu duas tardes inteiras, e lá pelas tantas perguntei afirmando: “Nosso lanche tá melhor que aquele chá do hotel chique em Buenos Aires, não é?” , ao que ele respondeu de boca cheia: “Bemmm melhor…”

Cheguei à conclusão que meu luxo é clichê. Não tem relação com dinheiro, e sim com a forma de usufruir a rotina ou simplesmente pausar o instante a fim de percebê-lo melhor.

Meus luxos são clichês, tão comuns como assistir “Anos Incríveis” na cama, numa tarde chuvosa.

Buscar o filho na escola e comprar um saquinho de pipoca na saída; tomar um café fresco na xícara de estimação enquanto escuto Chico Buarque cantar “Carolina” e pensar que poderia chamar-me Carolina também, e ter aqueles olhos tristes cheios de sentimento e poesia; assistir pela milionésima vez “Era uma vez na América” e me encantar_ de novo _ com Robert de Niro, com a trilha sonora e com a emoção que o filme desperta; ganhar de presente um livro novo, de um autor desconhecido, ficar embasbacada com a forma que ele escreve e querer escrever assim também; tomar uma taça de vinho no jantar, mesmo sendo segunda feira, e ficar engraçada de repente, fazendo o marido rachar de rir; ouvir um elogio sincero; ter vontade de fazer um elogio sincero; colocar o filho pra dormir e ganhar um abraço de urso; sol de inverno no rosto; quentão e vinho quente em copinho térmico na festa junina; lavar a louça do almoço de família enquanto minha mãe enxuga os pratos e confidencia bafos e babados de uma época feliz; assistir à reprise das novelas no “Viva” e perceber que o tempo não poupa ninguém; encontro de primos; visitar a rua que moramos na infância e reparar que a antiga residência continua igualzinha àquela que a memória guardou; ler cartas antigas e relembrar uma amizade verdadeira que ficou pra trás; réveillon na casa daquele tio saudosista que adora vinho e tangos; ganhar florzinha colhida pelo sobrinho pra enfeitar o cabelo; ligar para a avó e ela te tratar como uma criança trinta anos mais jovem; acertar a receita da lasanha e impressionar os sogros e as cunhadas; acordar no meio da noite para cobrir o filho e não perder o sono depois disso; pedir para o cabeleireiro cortar só dois dedinhos e ele cortar só dois dedinhos; receber email do pai; voltar do trabalho pra casa ouvindo Eric Clapton e pensando ‘como a vida faz sentido quando se ouve Change the World…’  ; ir à terapia e notar o olhar orgulhoso da terapeuta comunicando: ‘como você progrediu…’; andar no shopping de mãos dadas com meu menino de oito anos e perceber que logo logo ele irá crescer e esse costume vai passar; ajeitar o cabelo fino de minha mãe e descobrir que preciso ter mais tempo para ajeitar o cabelo fino de minha mãe; ganhar um desenho do filho em que ele me retrata mais linda e mais sorridente do que posso supôr; fazer uma lista de luxos e constatar que tenho tido uma vida luxuosa, ou _ melhor dizendo_ uma vida feliz…

Imagem de capa: LightField Studios/shutterstock

Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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Fabíola Simões
Tags: luxo

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