Categories: COLABORADORES

A menina que não sabia escrever

Amelinha tinha doze anos. Estudava desde os cinco e era bastante dedicada à cartilha, mas não aprendia a escrever. Lia algumas sílabas, mas escrita, nada.

A escola onde estudava era situada na zona rural de Boi no pasto – cidade pequena nutrida pela pecuária dos grandes criadores – e contava com apenas uma professora já quase aposentada. Eram cinco turmas em uma só. Alunos aprendendo a cobrir as vogais, misturados àqueles que já liam sílabas, porque, daquela escola, não saiam alunos com palavras inteiras,  levavam somente pedaços delas.

A Amelinha, restava a dificuldade no desenhar das letras, e ela bem que tentava: riscava o chão com pedaços de pau, rabiscava com carvão as paredes da casa. Um dia, pegou o único batom da mãe e grafou linhas tortas no espelho da cama, no quadro pequeno com a imagem de Jesus Cristo e no espelho onde o pai se olhava enquanto fazia a barba. Era um emaranhado de traços avermelhados que se cruzavam, ora de aproximavam, ora eram distantes… Da tentativa de aprendizagem, só a surra que levou da mãe e o resto do dia para limpar todo aquele trabalho em carmim.

Mas o que aquela menina mais aspirava era aprender a escrever seu nome. Quando a professora o entregava para que o cobrisse, ficava encantada: A M E L I N H A… delineava devagarmente, sentindo as curvas e o subir e descer do lápis em cada letra. Depois ficava passando o dedo sobre a escrita para tentar levar na lembrança e reproduzir em casa, no chão ou a carvão.

O tempo foi passando e o alfabeto não vinha às mãos da menina. Um final de manhã, quando voltava da escola, sentou-se à sombra de uma árvore, pegou um galho fino e começou a riscar o solo. Riscava, nada saia, apagava, outra tentativa, e mais outra… Uma hora depois, a menina pula feliz e rodopia; está extasiada com seu feito, conseguiu escrever sua primeira letra: um A, com sua curva e haste unindo as pontas.

Saiu saltitante. Sentia-se vitoriosa. Chegando em casa, escreveu vários As pelas paredes, pelo chão, e chamou a mãe para dividir essa alegria. As duas dançavam em um giro. Era a descoberta de um novo planeta.

Amelinha nunca aprendeu a escrever seu nome inteiro, apenas o A, então decidiu que, dali em diante, se chamaria A, assinaria seu nome nos papéis e acordos da sua vida somente com o A. Quando lhe perguntavam seu nome, dizia orgulhosa: “me chamo A, pode chamar assim que atendo, é meu nome de letra”.

Recentemente, A conheceu L e talharam suas iniciais no tronco da árvore onde a menina aprendeu a escrever. Mas não está escrito A e L, somente AL, pois o e já é uma letra que deve nomear outra gente do mesmo lugar e o casal que não quer, e não sabe, roubar alcunha de ninguém.

Lucia Costa

É professora de Língua Portuguesa, mora em Patos, PB e escreve poemas, contos, crônicas…

Share
Published by
Lucia Costa

Recent Posts

A primeira coisa que você vê nesta imagem pode revalar se você é uma pessoa mais reservada ou extrovertida

Qual é a primeira coisa que você vê primeiro ao olhar para esta imagem? A…

16 minutos ago

Novidade na Netflix: Glen Close e Mila Kunis arrancam lágrimas e aplausos em filme arrebatador

É impossível não se emocionar com a história profundamente humana e as atuações fenomenais que…

2 dias ago

Viúvo de Walewska quer que pais da jogadora paguem aluguel para morar em apartamento deixado pela filha

"Ele mandou uma notificação sem autorização judicial informando que os pais dela ou pagarão a…

2 dias ago

Desaparecimento de Madeleine McCann completa 17 anos e pais fazem declaração: ‘Vivendo no limbo’

Dezessete anos se passaram desde que Madeleine McCann desapareceu do quarto de um resort na…

2 dias ago

Pai é acusado pela morte do filho após obrigá-lo a correr em esteira em alta velocidade

O pai alegou que obrigava seu filho de 6 anos a correr em uma esteira…

3 dias ago

Mecânica de jogo: O coração da emoção de Aviator

Na nossa análise exaustiva, mergulhamos na mecânica do Spribe's Aviator, analisando como o seu formato…

3 dias ago