Ana Macarini

Um arranhão pode doer para sempre, caso a gente se apegue ao espinho

Tem machucado que dói demais mesmo. E nem sempre são os grandes machucados que provocam tanta dor. Dizem, inclusive, que ferimentos gravíssimos não são sentidos imediatamente, em função do choque causado pelo ocorrido.

Assim também ocorre com as feridas emocionais; inúmeras vezes o impacto do sofrimento, amortece os nossos sentidos e, também, a nossa capacidade de reagir. Por isso, é tão comum usarmos a expressão “ainda não caiu a ficha” para explicar o aparente estado de apatia e inação daqueles que acabaram de sofrer uma perda, um desagravo ou mesmo, ter sido submetido a atos de violência.

Nosso cérebro possui estratégias de defesa que entram em ação imediatamente, a despeito da nossa vontade; trata-se de uma descarga de impulsos nervosos, cuja função é nos proteger quando estamos em risco.

Em seguida, acontece uma descarga de adrenalina na corrente sanguínea, desencadeando uma série de reações físicas como: palidez, pupilas dilatadas, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial. Essas alterações são responsáveis por perdermos temporariamente a capacidade de notar detalhes, e aguça a nossa percepção do todo. O sangue que passou a correr mais veloz nas veias, nutre nossos músculos para que sejamos mais bem-sucedidos na fuga. É o nosso cérebro dando ao corpo o comando de escapar do risco com vida.

Ao mesmo tempo, ocorre uma diminuição na capacidade de perceber estímulos de dor, por exemplo; em busca da sobrevivência, é possível que cheguemos a pisar sobre objetos cortantes, arranhar a pele em vários lugares, sofrer queimaduras, sem sentir o desconforto agudo do ferimento. Concentrado em escapar do perigo, sequer sentimos fome, sede, ou vontade de ir ao banheiro. É como se tudo estivesse pausado em nós, tudo fica em segundo plano, estamos focados em sair dali com vida.

A nossa razão nessa hora também entra em pane; incapaz de acessar informações e destituída de tempo para fazer escolhas, o “plug” da razão se desliga e dá lugar às decisões mais instintivas. Neste momento voltamos à nossa intuição primitiva. Em situações de perigo, tomamos decisões ou agimos de acordo com um padrão que jamais estaria ativo em situações normais. O medo, o choque ou o pânico prejudicam a nossa capacidade de julgar; podemos correr para o lado errado, pisotear pessoas durante a fuga, fazer escolhas desastrosas no desespero pela sobrevivência.

O fato é que nosso cérebro entende que reagir é imperativo. Todo o resto fica congelado. A indecisão, a paralisia ou a reflexão são nossas inimigas nesse momento. O nosso corpo inteiro, agindo no instinto, entende que é preferível tomar uma decisão errada, a tomar decisão nenhuma.

Na hora do perigo, temos mais força do que normalmente parecemos ter, somos mais rápidos, mais impulsivos, mais destemidos. O objetivo maior é enganar e fugir da morte. É bastante frequente, inclusive, que este estado de alerta nos torne cegos às necessidades alheias; voltamos a nos proteger no egocentrismo infantil.

Entretanto, a situação aguda e caótica dos perigos extremos uma hora acaba. O que corremos o enorme risco de fazer é perpetuar aquele momento sofrido, mantendo-o agasalhado dentro de nós. Passamos então, ao perigo de desenvolvermos afeto pelo espinho; passamos a cuidar do elemento agressor com o desvelo que caberia à nossa parte agredida.

As tragédias são, em muitos casos, inevitáveis. Não podemos, no entanto, permitir que elas nos definam a partir de sua deflagração. Precisamos aprender a dar a nossas cicatrizes a honra devida; mas precisamos ainda mais, olhar com atenção amorosa para o resto de nossos corpos e alma que conseguiram permanecer intactos à devassidão da dor. Deixemos o espinho retirado ser destruído pelo tempo que cura. Ofereçamos a nós mesmos a oportunidade de aprender com a dor apenas as indispensáveis lições. Porque é fato que o sofrimento ensina; mas também é avassaladoramente verdadeiro que só faz sentido sobreviver se for para acolher uma vida plena, livre dos espinhos daquilo que já ficou para trás.

Imagem de capa: FCSCAFEINE/shutterstock

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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