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Se os homens são de Marte, é possível resgatá-los de lá

Por Marcelo Veras

O casamento era a conjunção possível entre o simbólico, instrumento necessário para se fazer filhos e perpetuar a fortuna. As questões do prazer, contudo, não eram incluídas nessa equação.

Estava escrevendo um texto sobre a solidão masculina quando vi o último filme de Ridley Scott, Perdido em Marte, em que o pobre Matt Damon amarga anos de solidão até que a NASA consiga tirá-lo do planeta vermelho. O solitário astronauta é um personagem muito próximo do cotidiano do psicanalista. Se você não compreende vou relembrar o combo: homens-marte, mulheres-vênus, sacou?

Eis a pergunta: é possível um homem amar uma mulher e zelar por seu falo ao mesmo tempo? Quanto mais escuto os homens mais acredito que o falo está em Marte e o feminino nem o Hubble ainda encontrou.

Nos consultórios atendemos com frequência homens preocupados com a ereção, com a ejaculação – precoce ou retardada, volumosa ou escassa – com seus bíceps, mas raramente encontro os que se preocupam com o amor. Quando os encontro, meu interesse imediatamente se agudiza, procuro entender como é que um homem vem falar de um amor que não seja por sua mãe. Recentemente escutava um amigo que me dizia estar no seu oitavo casamento. O mais curioso é que, embora tivesse um enorme currículo amoroso, a única relação que merecia ser comentada era justamente com sua mãe. Será que é assim mesmo? Amor de mãe é o amor que fica?

A mente masculina parece forjada para o orgasmo, post coitum omne animal triste est. São coordenadas que apontam sempre para um efêmero ter. A atriz Jeanne Moreau certa vez disparou que o orgasmo é um tremendo desmancha prazeres. Contudo poucos homens falam de amor no divã. Amar uma mulher é uma experiência que nasce da falta, da carência, no mínimo de uma precariedade. O mais comum é encontrar homens que ficam completamente desnorteados quando uma mulher os ama demais. Esse amor lhes parece um estorvo. Quando sua parceira começa a falar de amor é aí mesmo que muitos começam a pensar em outra.

Seria um erro e um exagero negar o amor masculino. O modelo secular de amor ocidental, narrado em séculos de literatura, sempre exaltou esse amor. Denis de Rougemont, no seu clássico História do amor no ocidente, desenvolveu bem a tese de que o nascimento do romance na Europa se confunde com o amor cortês do cavaleiro dedicado a uma Dama intocável. O que sempre me impressionou no amor cortês, e que ressoa tão forte nos romances do Languedoc, é a nítida divisão entre o falo e o amor à Dama. Causado pelo que a Dama tem de mais etéreo, a alvura da pele, o hálito, um mínimo sinal, o cavaleiro enfrenta batalhas enfurecidas e sanguinárias. Seu falo é sua espada, que ele usa para matar os inimigos. Nos campos, dormindo exausto entre uma batalha e outra, ele sonha com sua Dama. É desse amor que ele encontra a força para lutar no dia seguinte. Contudo, a Dama nunca será sua, ela pertence ao Rei. No âmago do amor cortês está sempre o adultério que não chega a ser consumado.

Doze séculos passados, nossos cavaleiros contemporâneos estão tão embaraçados com sua espada quanto um peixe de aquário diante de uma maçã. Muitos fatores estão envolvidos. Não tenho fôlego para fazer um tratado, cito apenas um ponto importante ressaltado por Rougemont: o casamento historicamente nunca foi por amor. O casamento era a conjunção possível entre o simbólico, como por exemplo a demarcação de terras e demais riquezas, e o corpo, instrumento necessário para se fazer filhos e perpetuar a fortuna. As questões do prazer, contudo, não eram incluídas nessa equação. O amor e o prazer estavam sempre do lado do adultério ou das putas.

Eis que surge a invenção do Happy end em versão para adultos. O final feliz, que nos séculos passados aparecia apenas nos contos infantis para apaziguar a angústia dos pequenos, passou a ser prometido também aos grandes. O Happy end para adultos é muito recente na história. Por vinte séculos o amor nos romances adultos sempre privilegiou o fim trágico, a não ser que fosse uma comédia no estilo A megera domada, de Shakespeare. Escolher e levar à sério o amor sempre foi uma aventura punida com a morte de seus protagonistas. Muitos situam no, ainda ingênuo, cinema do pós World War essa invenção. O cinema americano criou o ideal do final feliz, do casamento feliz. Aqui, o cavaleiro, agora transformado em herói veterano da primeira ou segunda guerra, deposita sua espada, agora uma metralhadora, e vive com sua Dama. Eles se reencontram, fazem muitos filhos, e vivem felizes para sempre.
Torturados pelo ideal do casamento feliz, mais recentemente o casamento passou a ser coisa séria. O tema de muitas consultas é o sentimento de fracasso por não conseguir amar e continuar casado com a mesma pessoa. É curioso pois até meados dos anos sessenta a solução de ter um/uma amante era um clássico. Hoje ter um amante é associado muito mais ao sentimento de ter fracassado no casamento. Todo aquele ritual simbólico não foi capaz de garantir a união. Percebam que falo algo bem distinto das ideias de Zygmunt Bauman, que se tornou um best-seller com seu livro sobre os amores líquidos.

E o que posso dizer aos cavaleiros do século XXI? Sou péssimo em conselhos e textos de autoajuda. Ainda assim diria que no mais comum dos casos, os homens que querem se casar e trocam muito de mulher, trocam seis por meia dúzia.

Trocar de mulher uma, duas vezes, pode até ser por conta do azar. Ninguém é obrigado a ser feliz casado, para esses eu não tenho nenhum conselho a dar, troquem o quanto quiserem. Mas, para aqueles que se casam e querem ficar casados por um tempo maior, eu sugiro não se deixar levar tanto pelo sentimento de que o que faz nossa vida feliz é a escolha amorosa. Diria que é mais o modo como cuidamos de nossa escolha amorosa. Quando as pessoas me perguntam se estou casado por muito tempo costumo dizer que nos últimos 35 anos casei-me umas quatro ou cinco vezes. Calhou de ser com a mesma mulher.

Marcelo Veras é Psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise

Fonte indicada: Instituto de Psicanálise Lacaniana

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