“Não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”.

Nas reuniões de trabalho, nas mesas de bar, nos encontros de família, na fila do banco, onde estivermos, encontraremos alguém que confunde decibéis com verdade, como se seus pontos de vista se tornassem mais contundentes quanto mais alto e agressivo for seu tom de voz. São os donos da verdade, alheios ao que não lhes convém, ao que possa desautorizar aquilo em que eles tanto acreditam. De tanto viverem aos berros, acabam se tornando surdos frente a opiniões divergentes às suas.

Algumas pessoas possuem a personalidade mais forte do que as outras, são mais incisivas e se expõem com mais segurança. Entre estes, há aqueles que não se furtam a fazer discursos inflamados e resistentes a interrupções ou discordâncias. Isso não significa, de forma alguma, que estarão cobertos de razão, sempre que se pronunciarem. Como quase ninguém está disposto a entrar em contendas com quem é muito cheio de si, pois poucos se sujeitam a perder energia com o que não vale a pena, os donos da verdade absoluta – e muito provavelmente somente eles – realmente acabam crendo piamente na veracidade de seus argumentos, por mais frágeis que possam ser.

No outro lado da roda, existem aqueles que têm muito a dizer, mas não o dizem, pois a insegurança tem mais poder do que suas certezas. São os alunos que não respondem o que pensaram e assistem arrependidos ao sucesso do outro aluno dizendo em voz alta exatamente o que tinham pensado. São os amigos que vêm os colegas saindo com a garota com a qual eles próprios não tiveram coragem de conversar. Antecipar-se ao suposto erro, por insegurança e timidez excessiva, não traz ganho algum, pois não se aprende nada com isso, nada se ganha a não ser mais bagagem para se juntar aos arrependimentos já acumulados dentro de nós. Como se vê, falar baixo demais, ou emudecer o tempo todo, é da mesma forma nocivo ao aprimoramento pessoal.

Nossos caminhos cruzam-se com os de outras pessoas o tempo todo e, em vários momentos, haverá choque de idéias e conflitos a serem resolvidos; assim é a vida. Passividade e subserviência em demasia acabarão nos tornando passíveis de engolir imposições alheias, acumulando dissabores, angústias e frustrações aqui dentro da gente. E isso tudo terá que sair, pois nossos sentidos não digerem tanta contrariedade e sente necessidade de se livrar do incômodo, da forma que encontrar, sem medir as consequências físicas e psicológicas decorrentes. Daí as somatizações, as úlceras, gastrites, enxaquecas, entre outros sintomas que não são mais do que gritos de uma alma sufocada pelo peso do que não se disse, pelo arrependimento do que não se fez, pela recorrência da lamentação do “ah, se eu tivesse…”.

Colocar-se de maneira clara, coerente e elegante é fundamental para que cresçamos como pessoas e ocupemos os lugares a que temos direito em casa, na escola, no trabalho, na vida. Não estaremos sempre com a razão, mas pelo menos seremos ouvidos e levados em consideração, bem como será mais fácil nos aproximarmos das pessoas que farão toda a diferença em nossas vidas. Vale a pena tentar. Por sua vez, os supostos donos da verdade, que impõem suas opiniões por meio da coerção e da violência na voz e no comportamento, afastam cada vez mais de si as oportunidades de perceberem os próprios erros e assim aprender e evoluir seus pensamentos e ações em direção ao verdadeiro encontro consigo mesmo e com o próximo. Continuarão perdidos entre os próprios gritos, desacreditados pela maioria e relegados à solidão a que continuamente se condenam enquanto bradam aos ventos.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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