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MINHA TIA E SUA GUERRA SANTA CONTRA O CORONAVÍRUS- Fabrício Carpinejar

Eu não havia dito eu te amo para minha tia. Não sei como me escapou essa lacuna. Como deixei esse vazio resistir tanto tempo.

Nunca havia dito eu te amo para a única irmã de minha mãe, que sempre esteve presente em nossa casa, nos aniversários, nos Natais, que emprestava a sua residência na praia para os nossos veraneios.

Foi quase perdê-la que me dei conta. Foi quando ela passou internada uma semana na CTI do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), entre a vida e a morte, pelo coronavírus, que as palavras finalmente saíram.

Nem posso assegurar que ela reparou, acreditando que eu disse alguma vez, mas eu percebi que jamais soprara a jura de cuidado, de oração, de permanência.

O covid-19 desmanchou as minhas reservas, os meus pudores, a minha avareza.

Sua recuperação me trouxe alívio, de ainda poder conversar com ela tudo o que silenciei décadas a fio porque achava que ela não se importaria com o que sinto.

Eu me enganei, o orgulho sempre nos engana.

Ela presenteava os seus amigos com os meus livros, repassava os meus textos para os seus grupos de discussão, comparecia em minhas palestras.

Ela me admirava, oferecia os sinais de aproximação, eu que não enxergava.

Era necessário, é necessário. Devia largar o analfabetismo do meu afeto por ela.

Cléa Carpi da Rocha, aos 83 anos, venceu a sua pior batalha, contra a maldita gripe, que enfraqueceu os seus pulmões de tal maneira que o ar não vinha.

Talvez tenha sido a sua mais solitária guerra, contra um inimigo invisível que tirava vantagem de sua idade.

Ela que já estava acostumada a superar dores inomináveis, como a de se despedir do filho pequeno devido ao câncer.

Ela que já estava habituada a abrir espaço pioneiro no Direito, território até então de predominância masculina, assumindo a condição de primeira presidente da OAB/RS e depois de conselheira federal mais longeva da entidade.

Nunca havia dito eu te amo para a minha tia. Nunca havia dado um desenho, uma crônica, um mimo de minhas mãos.

Ela que recebeu as maiores medalhas dos outros, como a comenda Ruy Barbosa, pelos serviços prestados em nome da liberdade e da defesa democrática.

Faltava isso: a reverência dentro do lar, a admiração dentro do sobrenome. Não falta mais.

Tivemos que passar pela pandemia para um sobrinho adulto descobrir tardiamente o seu amor pela sua tia.

Nunca é tarde para ser sensível.

***

Publicado no jornal Zero Hora, GaúchaZH, p. 26, 2/4/2020. Reproduzido da Publicação no Facebook do autor.

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