Você comanda a sua mente ou é ela que comanda você?

O cérebro humano é uma ferramenta maravilhosa, cuja capacidade de armazenamento, interpretação, interação e adaptação parece ser ilimitada. O mais misterioso órgão do nosso corpo, embora possa ser visualizado, estudado, tocado; e, até, manipulado, é ainda fonte inesgotável de questionamentos e perguntas. O que sabemos é que se trata da nossa central de funcionamento e fonte administrativa do comportamento. Uma usina de substâncias químicas hormônios e enzimas passíveis de mensuração e análise. Uma estrutura intrincada de células e vias neuronais, realizando milhares de sinapses a todo instante. Organizado por impulsos elétricos que comandam o funcionamento do nosso corpo e a configuração de nossos comportamentos. O cérebro, ainda que seja enigmático, em muitos aspectos, é orgânico, material e físico. Mas, o que podemos dizer da mente?

A mente é um completo mistério para nós. Chega a ser perturbador ter de admitir que mesmo passados séculos de estudos, interpretações filosóficas e inegáveis avanços na área das neurociências, da psicologia e da medicina, continuamos com hipóteses controversas acerca do conceito de mente. Teorias históricas antigas, baseadas em premissas de Platão, sustentam ser a mente uma entidade independente do corpo. Há, inclusive, proposições religiosas que relacionam o funcionamento da mente às tendências da alma, pressupondo a existência de um espírito que daria ânimo ao corpo.

Há tempos, bioquímicos, psicólogos, neurologistas, psiquiatras e neurocientistas vêm se debruçando sobre pistas dadas pelas funções mentais, que são responsáveis pela capacidade humana de pensar, sentir, lembrar, aprender, comunicar-se, criar ou destruir. Anos de pesquisa comprovam que o comportamento humano está intrinsicamente ligado ao funcionamento do cérebro. Isso posto, revela-se uma interpretação: a mente depende do cérebro para existir e só pode expressar-se pelas manifestações do comportamento que é constituído, em grande parte, pela química das células neuronais.

Assim, podemos entender o cérebro como um mapa para compreender (ainda que de forma tímida), os mistérios da mente. Neurocientistas, por meio de muito estudo e pesquisa, apontam para mecanismos cerebrais que podem estar implícitos em experiências infinitamente complexas nos processos de desenvolvimento e aspectos comportamentais do ser humano, tais como: o pensamento, a atenção e a consciência.

O cérebro, em si, é extraordinário. A começar por sua estrutura repartida em dois hemisférios, sendo cada uma das metades (direita e esquerda), uma imagem “em espelho” da outra, interligadas por feixes nervosos. Durante muito tempo apregoou-se que cada hemisfério teria suas próprias áreas de especialização mental. O hemisfério esquerdo, por exemplo seria majoritariamente responsável pelas funções verbais, analíticas e de raciocínio lógico; enquanto que o direito estaria mais envolvido com as funções artísticas, capacidade de criação e habilidades espaço-visuais. Hoje sabemos que o que permite que sejamos tanto criativos, quanto analíticos é a eficiência das conexões entre todas as regiões do cérebro. Mediante a ocorrência de uma lesão no feixe de fibras nervosas que liga os dois hemisférios, as conexões são interrompidas em alguns espaços, o que pode ocasionar alterações impressionantes no comportamento.

Tantas descobertas nos colocam em um ponto no qual o fascínio pelo que já se sabe e a inquietação a respeito do quanto ainda falta compreender marcaram um encontro. Afinal, ao mesmo tempo em as funções mentais são responsáveis pela evolução e desenvolvimento do nosso mundo; as disfunções da mente revelam-se como detentoras de um poderoso sistema de destruição do ser humano e do seu entorno.

Estudos de neurociência e genética apontam que disfunções mentais como: mania, distúrbios do humor, esquizofrenia, ansiedade, distúrbios de memória e déficits intelectuais têm sua origem em configurações anatômicas do cérebro, funções bioquímicas e hereditárias. Revelações desta natureza trazem uma luz importante ao tratamento social que se dá às doenças mentais. Infelizmente, uma grande parcela da sociedade (senão sua maioria), apresenta uma postura altamente preconceituosa em sua interpretação sobre o comportamento de portadores de disfunções psiquiátricas. As doenças da mente são tão reais quanto o diabetes, as cardiopatias ou o câncer. No entanto, como seus sintomas e consequências revelam-se por meio do comportamento destoante, julga-se que o indivíduo doente pode controlar seu comportamento; e, em não o fazendo está sendo fraco, melindroso ou, até, malicioso. Sim! A quem acredite que é possível fingir uma depressão, por exemplo. Pode acreditar!

O comportamento compulsivo é um exemplo perfeito para ilustrar este fato. Compulsões são representadas por ações repetitivas que, em sua essência, são danosas ao equilíbrio físico, social e mental do indivíduo. Os compulsivos, em geral, são portadores de natureza ansiosa ou insegura, cuja origem pode estar relacionada às relações familiares na infância. A pessoa compulsiva adquire um hábito que se perpetua na tentativa desesperada de fazer parar uma dor emocional por meio de um comportamento repetitivo, sobre o qual não tem controle.

As compulsões trazem um prazer momentâneo, ilusório e danoso à já frágil estrutura emocional de quem está sujeito a elas. Em busca de saciar um buraco afetivo, aplacar uma situação aflitiva ou mesmo, escapar de um sentimento opressivo, a vítima embarca num túnel de atos repetitivos e sem nenhuma reflexão possível, perde o controle de suas ações. Há gente que rói as unhas, até que comece a roer a própria carne. Há aqueles que arrancam os próprios cabelos, até que tenha conseguido uma enorme falha expondo o couro cabeludo. Há quem compre compulsivamente coisas aleatórias, até que se veja atolado em dívidas impossíveis de serem pagas; e, nem assim conseguem parar de comprar.

Compulsões alimentares, por exemplo, são caracterizadas pela ingestão de grandes quantidades de comida, num curto espaço de tempo. A pessoa coloca na comida a cura momentânea para sensações de desamparo e incompletude às quais se submete todo santo dia. O mais desesperador é que o anestésico dura pouquíssimo tempo. Em geral, dura o tempo em que a pessoa se empanturrou de qualquer coisa que tenha no armário ou na geladeira e sequer trouxe o alívio que ali fora buscado. O mais triste é que na sequência do surto compulsivo, a pessoa é tomada por um enorme sentimento de culpa e sensação de incompetência por não ter conseguido resistir ao impulso (como se fosse possível resistir!).

Essa categoria de compulsão está intimamente ligada à aquisição de vícios. Os vícios se instalam graças ao fortalecimento das conexões neuronais presentes nos hábitos. O cérebro cria trajetos de rotina, por meio dos quais, sempre que se apresentar uma situação de angústia ou aflição, fará a pessoa recorrer ao comportamento compulsivo. Os compulsivos enfrentam dificuldades absurdas para conseguir desinstalar o processo da compulsão, justamente porque no início, esse comportamento provoca imenso prazer e as consequências negativas só aparecem com o tempo. E quando elas aparecem, a compulsão já se estabeleceu, invertendo a ordem das coisas.

A compulsão é o avesso da situação equilibrada das emoções. Aqui não é a mente que manda no comportamento. Aqui a mente está subjugada por uma repetição de comportamentos cuja causa é nebulosa, mas a natureza é psíquica. Compulsão é doença! Não é falta de vergonha na cara! Não é fraqueza! Portanto, antes de sairmos por aí apontando nossos dedinhos perfeitos a julgar o desequilíbrio alheio, muita cautela! Por trás de um comportamento anormalmente repetitivo há sempre uma pessoa que sofre!







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"