A verdadeira amizade modifica a nossa história

Uma vez li uma crônica que dizia que pra sempre teremos nossos 16 anos. Nossos 21. Nossos 25 e todos os outros números que contabilizamos a cada aniversário. Os anos que vivemos que, somados, nos transformam no que somos hoje.

Pois no feriado de Tiradentes deixei vir à tona meus 17 anos. Nos três dias de encontro de turma, revivi meus 18, 19, 20 e 21 anos. Ao lado de meu marido e filho, abracei aqueles que ajudaram a construir a pessoa que sou hoje e extravasei minha melhor versão.

A semana que antecedeu o encontro foi tensa. Na segunda feira, um grande amigo sofreu um infarto e nos apoiamos à distância. Porém, para surpresa de todos, ao receber alta do hospital seguiu para nos abraçar. Foi comovente nos depararmos com o carro subindo a ladeira do hotel e, no banco do carona, o sorriso conhecido. O susto tornou o reencontro mais especial; a vulnerabilidade da vida trouxe mais significado à nossa amizade e estreitou os laços.

A amizade nos faz acreditar que ainda estão em curso nossas primeiras experiências e sensações. É ela quem diz que mesmo que o tempo cronológico tenha passado, uma parte de nós ainda vive as emoções, brincadeiras, rubores e afeições daquele período que chamamos “ontem”.

Sentados em círculo, revimos

fotos e ouvimos histórias de um tempo que foi um divisor de águas para o restante de nossas vidas. Pois naqueles quatro anos tão intensos, ficou evidente que, mais do que aprender uma profissão, aprendemos a viver. A nos relacionar uns com os outros, a administrar uma casa longe de nossos pais, a iniciar e romper um namoro, a nos divertir com responsabilidade e nos apoiar como irmãos.

Na noite de sábado, uma missa celebrada por outro amigo que se tornou padre nos aproximou ainda mais. Ele lembrou alguns colegas ausentes e falou sobre o sofrimento. Nos comovemos recordando os altos e baixos na vida de cada um, sem exceção. Éramos amigos se reencontrando após mais de vinte anos, e isso bastava para entender que, mesmo que a vida tenha deixado cicatrizes, não houve perdas, só ganhos.

A verdadeira amizade modifica a nossa história. Nos desperta pra vida, dá um chacoalhão no nosso comodismo e nos faz prestar atenção ao que é essencial. Nos diz que essa vida vai passar rápido, e que é preciso não perder o sono pelas insignificâncias e frivolidades. De vez em quando nos dá asas, outras vezes nos dá chão. Nos livra de nossas auto depreciações, culpas, submissões. Nos ajuda a amadurecer, a desatar os nós, a descalçar os sapatos e suportar os vazios.

A amizade nos faz entender que todos têm uma história, que não é só a sua história que é importante, que ninguém está aqui para fazer figuração na sua vida. Nos mostra que de vez em quando somos os protagonistas, e em outros momentos assumimos o papel de coadjuvantes, e que isso é fascinante também.

Com a idade e algumas vivências, a gente fica mais sentimental. Assim, dei pra me emocionar a cada reencontro, sentindo o abraço forte daqueles que viajaram dez horas seguidas ou o esforço de quem recebeu alta do hospital para poder estar entre nós. Nem todos entendem isso. Nem todos criam vínculos ou cuidam das memórias. Me sinto privilegiada. Sortuda por perceber que o tempo não passou e os amigos não se despediram. Eles permanecem e resistem, mês a mês, ano a ano, vivos dentro de mim…

Imagem de capa: Rawpixel.com/Shutterstock

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.