Vamos olhar as coisas de uma forma diferente?

Quando eu era pequena, nunca me vesti com aquela roupa rosa, nunca usei lacinhos, nem gostava de brincar de casinha ou maquiagem, nunca segui a risca aquele estereótipo que se espera de uma menina. Gostava mais da companhia dos meninos, brincava de pique, bolinha de gude e bola. Sim, tudo o que tivesse uma bola envolvida eu gostava de brincar: basquete, vôlei, futebol e queimado.

Quase não tinha bonecas e nem gostava tanto desse tipo de brinquedo ou brincadeiras. Gostava de me vestir com roupas que me deixassem a vontade para correr, para brincar, para me sujar, porque as crianças não tem medo de cair e se divertir. Então, usava muitas roupas largas, como shorts e camisas, tudo que me permitisse ser eu mesma.

Isso nunca foi algo pensado, premeditado, por isso nunca foi uma questão para mim. Eu sempre fui assim, sempre gostei dessas coisas, eu sempre fui desse jeito. E o que me deixa muito triste e preocupada com a infância das crianças, é que isso hoje em dia, é visto como um problema pelas pessoas sejam os próprios pais ou educadores.

Uma vez, ouvi um comentário sobre uma menina, uma criança dos seus sete anos que se comportava como eu quando era pequena. Os parentes mais próximos estavam alertando os pais que esse jeito de ser, deveria ser corrigido, porque senão quem sabe o que ela ia se tornar? Eu achei um absurdo, mas percebi não só o tom de julgamento dos parentes como também a preocupação iminente no olhar dos pais.

Parece bobagem ou algo isolado, mas não é bem assim. Infelizmente, esse tipo de comentário maldoso e esse tipo de mentalidade é muito comum e amplamente disseminada na nossa sociedade como um todo. Não é a exceção, ainda. Apesar, que esse tipo de comentário tem sido mais combatido nos dias de hoje e tem cada vez menos adeptos a esse binômio masculino/ feminino de ver as coisas. Acho sim que de forma geral, as coisas estão caminhando, mesmo que seja lentamente.

Por isso, precisamos sim falar sobre isso, falar por que ainda atribuímos características e comportamentos baseados no gênero: se é menina tem que ser assim, se é um menino tem que ser assado. Tentar abrir os olhos e ver como aprisionamos as crianças ainda pequenas numa caixa, em um estereótipo, em uma cartilha invisível de como as meninas e meninos devem agir e interagir no mundo a sua volta, o que é e não é permitido.

Como eu disse, para mim quando eu era criança, nunca foi uma questão ser diferente das outras meninas. Mas, conforme fui crescendo comecei a me dar conta do preconceito que existia nas pessoas, algumas brincadeiras e piadas pelo meu jeito de ser e até pela minha forma de andar.

Eu não posso falar pelos meus pais e como eles pensavam. Não sei se isso foi visto como um problema ou não, se chegou a ser algo conversado entre eles. Mas meus pais nunca criticaram, sugeriram ou disseram como eu devia ser ou me vestir. Eu sempre tive a oportunidade de ser eu mesma, ter os amiguinhos que eu queria, brincar do que eu quisesse e me vestir com aquilo que eu gostava de usar. E eu sei que infelizmente, isso ainda é um privilégio.

Há uma sexualização precoce das crianças e daí vem a demonização do que não é considerado “normal”, seja para as meninas ou meninos que não se encaixem em um padrão de comportamento esperado. Ou seja, não é visto com bons olhos se uma menina gosta exclusivamente de brincar de bola, jogar vídeo game ou esportes. Da mesma forma, se um menino gosta mais de brincar de casinha, passar roupa ou de boneca é visto com estranheza e piadinhas maliciosas.

Não se engane, para os meninos a pressão é ainda maior. Em uma sociedade patriarcal e machista, onde mariquinha ou fresco são usados como ferramenta de insultos, como algo pejorativo e considerado um xingamento por quem o diz com o objetivo de desqualificar quem escuta, não é nada fácil ser aquele menino que tem a voz mais fina do grupo, que não gosta de jogar bola ou prefere a companhia das meninas nas brincadeiras.

Eles são sim, discriminados pelas pessoas que deveriam aceitá-los como são, seus próprios amigos. É assustador como as crianças podem ser cruéis, segregar e excluir quem elas acham que não se enquadra no grupinho seja por qualquer motivo for.

Isso é sim muito grave. Bullying é coisa séria e não uma simples chacota e brincadeira inofensiva. Ser discriminado por ser quem se é, dói, machuca. E o que mais me preocupa é a covardia do ato porque a criança que é atacada, ainda não tem as ferramentas necessárias para se defender sobre isso.

Eu realmente espero e desejo que o futuro seja diferente com as crianças que estão por vir. Cada vez mais esse tipo de preconceito seja combatido a tal ponto que não seja mais a mentalidade coletiva. Com mais informação, com mais diálogo, com mais compreensão, as coisas começam a mudar, as pessoas começam a pensar diferente e a sociedade então muda.

Não importa o tempo que isso leve, mas as coisas mudam sim. O que é considerado como “normal” sempre muda, sempre se adapta, sempre sofre metamorfose e não podia ser diferente. Afinal, não é algo absoluto ou da natureza como gostam de falar. É criado, inventado, propagado, é o inconsciente coletivo. E isso sempre muda. Graças a Deus.







Vivo entre a ponta da caneta e o papel, entre o clique no teclado e a história que desabrocha na tela. Sempre em busca da palavra perfeita, do texto perfeito e do livro perfeito. Acredito no poder curativo da música e de um bom livro. Cinéfila, apaixonada por séries, Los Hermanos e filmes do Woody Allen.