Tente outra vez

Seu Vitório, o jardineiro do meu condomínio, tem os olhos bondosos que denunciam uma alma nobre. É simples, de gestos contidos e fala humilde. Aparenta estar próximo dos setenta anos, e trabalha com uma resignação rara. Hoje pela manhã, diante da ventania que arrastava folhas secas por todo canto, mexi com ele: “o vento tá te dando trabalho, hein seu Vitório! Vai tirar as folhas hoje e amanhã estarão todas aí de novo?”, ao que ele respondeu: “Tenho que tirar. Ontem tinha deixado tudo limpinho, e olha como está hoje. A gente não pode parar…”

Ele continuou seu trabalho, eu segui meu caminho. Mas fui pensando no gesto de seu Vitório. Todos os dias, sob o sol forte ou chuva fina, ele trabalha cuidando de nossos jardins. Todos os dias, com ou sem ventania, remove as folhas secas do gramado e de nossas garagens. Sabe que terá que repetir _ o vento é uma criatura persistente _ mas não desanima enquanto refaz o serviço diariamente.

Talvez ele se ressinta de trabalhar em vão. Talvez _ e eu torço para isso _ ele perceba que seu gesto tem valor, mesmo que o vento estrague tudo outra vez.

Talvez nos ressintamos de viver todos os dias a mesma rotina, para começar tudo de novo no dia seguinte. Mas pode ser que aprendamos que tentar outra vez é um gesto corajoso, que nos impulsiona a viver, pé ante pé, as aventuras e desventuras da existência.

Ventos súbitos podem sujar nossos canteiros com folhas secas de vez em quando. Em vez de reclamar do sopro do vento e nos indignar com a sujeira deixada, o ideal seria pegar nossas vassouras e simplesmente varrer. Não ficar esperando parar de ventar em nossa vida, ou que um milagre venha tirar de nosso caminho o que não convém. A exemplo do jardineiro que se conforma com o mesmo trabalho todos os dias, podemos aprender a lidar com a imperfeição das horas com ânimo novo, nem que isso nos custe algum esforço ou sacrifício.

A vida não está nem aí para o que você considera certo. Assim como as estações mudam, nosso dia pode se modificar num segundo, enquanto nos apegamos ao que julgamos ser o melhor para nós. Aprender a encontrar conforto na possibilidade é um exercício que tem que ser praticado exaustivamente, até que encontremos sentido naquilo que fazemos ou somos impelidos a acatar.

O amor não deu certo? Tente de outro jeito, pode ser a oportunidade de você se conhecer melhor e descobrir outras formas de amar e ser amado. Aquela chance não vingou? Tente outra vez, insista, batalhe, pode ser que seu olhar mude, e passarão a te olhar com outros olhos também. Não foi desta vez? Experimente dar um tempo e com calma, arrisque novamente. Nem sempre a hora prometida é a hora concedida.

Tente outra vez. Tente achar sentido, tente encontrar aceitação. Tente mesmo que seu trabalho seja em vão. Tente se compreender, tente ser você mesmo. Tente buscar seu sonho mesmo quando folhas secas sujam o gramado que você acabou de limpar. Tente buscar uma saída, tente recomeçar. A vida nos oferece uma existência nova, em branco, todos os dias. Mesmo correndo o risco de ter suas folhas riscadas de um jeito indesejado, simplesmente acredite que pode e deve tentar outra vez.

Seu Vitório continua varrendo a frente das nossas casas. Sabe que não pode colar as folhas nas árvores nem impedir o trabalho do vento. Na sua humildade, encontrou sentido. Sabe de seu valor. Sabe que seu trabalho não tem fim, mas que se parar, será um caos. Então continua, dia após dia, simplesmente trabalhando e, acima de tudo, tentando outra vez…

Imagem de capa: NguyenQuocThang/shutterstock







Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.