Tenho medo dos românticos

Tenho medo dos românticos! E os temo justamente porque já fui (sou?) muito romântica.

Tendemos a confundir romantismo com gentileza, delicadeza, ternura, cavalheirismo, demonstração de afeto, bem cuidar, bem querer; acreditamos que o romantismo é um efeito colateral do amor, mas isso nem sempre é verdade.

Certamente gentileza, delicadeza, bem querer e bem cuidar são efeitos colaterais do amor –  assim como a admiração e o respeito. No entanto, existem pessoas que amam profundamente sem serem românticas.

Românticos são aqueles que acreditam na ilusão de que o outro tem o que nos falta. Que supõem o objeto do seu amor tão imenso, tão dotado de qualidades mil que acabam se sentindo grandiosos, também, quando são retribuídos em seus apelos. Em outras palavras: idealizam o ser amado.

São aqueles que só encontram conforto na própria pele quando estão amando e/ou sendo amados. Que só conseguem deixar de se sentir ninguém quando estão amando alguém. Que morrem a cada separação por não encontrarem sentido para suas vidas sem a presença do ser idealizado.

Supõem-se sonhadores, mas no fundo são idealizadores. Criam um mundo paralelo para se refugiar quando o mar não está para peixe: o amor e/ou a impossibilidade de desfrutá-lo.

E decepcionam-se! Ah, como se decepcionam os românticos! Cedo ou tarde os objetos de suas paixões ganham contornos de inadequação. Até mesmo uma pinta no tornozelo esquerdo, antes ignorada, torna-se um transtorno. Qualquer passo em falso dos parceiros, qualquer nota destoante da sinfonia criada/idealizada pelos românticos e pronto: eles se frustram e se desapaixonam. Tão logo se desapaixonam, apaixonam-se (supostamente) por outrem. Vivem em eterna ciranda à procura do ser ideal.

Muitos, aliás, escolhem alguém para colocar num pedestal inatingível, somente para ter por quem suspirar. Outros tantos se maltratam. E há os que se autodestroem mas deixam obras primas pelo caminho, caso de Amy Winehouse em seu disco Back to black.

Românticos amam a ideia do amor, não o amor consumado. Alguns temem consumar o amor com receio de empobrecê-lo tremendamente e perder o completo controle de si. Além disso, não toleram a possibilidade do engano, da frustração. O melhor que podem fazer por si é se refugiarem na imaginação! Afinal, na imaginação cabe tudo! Tudo é possível! Não há frustração! Tudo pode ser perfeito.

Assim foi com Frederico, protagonista do livro “Educação Sentimental”, de Gustave Flaubert (Editora Martin Claret). Amou, até as últimas das mais de 400 páginas, Mme. Arnox, uma mulher mais velha e casada, por quem fez diversas loucuras; enrolou-se com outras tantas na tentativa de esquecê-la, mas, quando teve finalmente a chance de fundir seu corpo ao dela – e quem sabe iniciar uma vida em comunhão – recuou:

“Frederico suspeitou Mme. Arnoux de ter vindo oferecer-se-lhe; e recaíra num desejo mais forte que nunca, furioso, desesperado. Mas sentia o que quer que fosse de inexprimível, uma repulsão e como que o horror de um incesto. Outro receio o deteve, o de vir a sentir desgosto mais tarde. E depois, que embaraço! – E não só por prudência mas para não degradar o seu ideal, rodou sobre os calcanhares e pôs-se a fazer um cigarro”. (página 416)

O personagem de Flaubert flanava na Paris do século XIX, mas são tantos os Fredericos e as Fredericas que suspiram no século XXI acreditando-se apaixonados incuráveis sem, talvez, nunca terem se permitido a um amor verdadeiro…

Flores? Sim, obrigada! Poemas, cartas de amor, presentinhos inesperados, jantar à luz de velas, declarações de amor, lua de mel em ilhas paradisíacas, massagem nos pés, socorro no meio da estrada quando fura o pneu do carro, ajuda pra resolver um problema, sex0 bom no chuveiro ou no tapete da sala, comidinhas de depois, vinho com risoto de cogumelos feito em casa? Sempre, sempre e sempre! Por favor! Obrigada! Amém!

Mas confesso que prefiro dançar esse balé na companhia de quem me ame como eu sou, não de quem se diz romântico, faz todo o passo a passo ensaiado, porém no fundo idealiza o amor e o objeto de sua paixão. Prefiro quem me ame mesmo quando eu acordo descabelada e mal humorada. Será que um romântico à moda antiga conseguiria?







Mônica Montone é formada em Psicologia pela PUC-RJ e escritora. Autora dos livros Mulher de minutos, Sexo, champanhe e tchau e A louca do castelo.