Te amo, mas não gosto de você.

O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa.
– Artur da Távola –

Sei lá onde ouvi isso, sei lá se senti isso. Talvez alguém tenha me contado, não é tão difícil assim ouvir sobre o amor. É mais ou menos assim, senta que lá vem história. História Com h, porque tirar o h pode comprometer certas coisas. Vou contar como me lembro.

Ele tinha umas manias estranhas como apertar o nariz com a mão esquerda na hora de decidir o que pedir no restaurante. Ela sempre detestou isso. Ele gostava muito de contar piadas internas, aquelas que só o narrador acha graça, não que ela detestasse, mas por vezes achava um pouco constrangedor.

A camisa preferida dele tinha um estilo anos oitenta, uma década de estampas que sempre despertou na moça uma certa desconfiança. Ele também gostava de usar diminutivos, isso definitivamente ela odiava.

Outra coisa que incomodava um pouco era o lapso temporal entre respostas e perguntas, e uma pequena arrogância nascida da insegurança.

Sim, ela aprendeu a perceber isso. Ele era assim, diferente dela, no entanto havia alguma coisa que não se via, mas que fazia dele o lugar das certezas. Era possível sentir sua presença mesmo na sua ausência, e seu abraço era o lado mais calmo da vida. Alguma coisa em suas mãos eram suaves como rochas e transmitiam a ela a solidez de caminhos certos.

Quando ligavam a TV em programas que a faziam dormir nos primeiros cinco minutos, ela dormia em paz. Amar é estar em paz. E ela amou; e amou de tal forma que o amor era mais silêncio que barulho e por assim ser morava em seu corpo, sem escândalos, educada e delicadamente presente.

Os defeitos já reconhecidos e conhecidos eram apenas detalhes tal qual flor de tomate em salada de vó. Ela aprendeu a ver chegar suas fragilidades, viu também alguns cabelos brancos, essas coisas que chegam sem se anunciar.

E aprendeu que amar tem a ver também com incompletudes, não as que criam cobranças, mas as que fazem nascer alternativas, porque o amor está para além do óbvio.

Ele sempre gostou dela, do seu jeito, de suas roupas, de seu perfume, de seu sexo, de seu corpo, de sua inteligência. E foi assim que eles nunca mais se viram. Ela despediu-se dele como quem se despede de crenças, com um certo temor. Ele despediu-se dela como quem parte em viagem.

Imagem de capa: Photographee.eu/shutterstock







Luciana Chardelli é carioca, jornalista, escritora e advogada pós graduação em Direito Penal e Processual Penal. É autora do livro "Penso, logo insisto. Um desencontro." Escreve também na Revista Obvious.