Se aquilo que você quer precisa ser tirado de alguém, arranje outra coisa para querer

Nenhum de nós está imune de virar refém das armadilhas do desejo. Somos voluntariamente iludidos pela persecutória ideia de que o outro se deu melhor, o outro tem mais sorte, o outro nunca é punido o suficiente, o outro é dono de alguma coisa que deveria, com toda certeza, nos pertencer.

O outro é o nosso inferno particular, por absoluta responsabilidade nossa. Enquanto vivermos o sonho distorcido de que a perfeição habita lares alheios, seremos miseravelmente inaptos a reconhecer o quanto pode haver de alegria e plenitude em nossas próprias vidas. Afinal de contas, se pararmos realmente para pensar, nós somos o outro dos outros. Não é não?

Ahhhh, sim… pode acreditar. Esse seu título, vaga ou trabalho que exigiu de você anos de empenho, aperfeiçoamentos intermináveis, fins de semana com a cara enfiada nos livros, saudades infinitas da família e dos amigos e mais uma porção de renúncias feitas à base de uma vontade férrea de atingir objetivos, não raramente é avaliada como “pura sorte”.

A relação verdadeira que você mantém com sua família, recheada de conflitos perturbadores e dias de convívio maravilhoso, permeada de desafios de paciência e braços confiáveis para onde voltar no final do dia, intercalada de vontade de jogar tudo para o alto com a delícia de fazer as pazes, com direito a choro de lavar a alma e riso de tirar o fôlego, muito provavelmente é interpretada lá fora como “modelo de vida perfeita”.

A verdade é que ficaríamos surpresos com a versão hollywoodiana de nossas vidas que é rodada na tela mental daqueles que pensam que nos conhecem. Há pessoas que desenvolvem tamanha obsessão por tudo o quanto temos, somos ou parecemos ser e ter, que acabam virando uma versão pirateada de nós. Gente que tem absoluta convicção de que nossas conquistas não são do nosso merecimento, nossas batalhas são irrisórias e nossos esforços são irrelevantes.

E, quer saber? A gente sabe quando está sendo cercado pela energia de buraco negro de gente que não se dá ao trabalho de ir atrás de suas próprias conquistas. A gente sente, quando está dando espaço demais àquela pessoa que obviamente está fazendo de conta um querer bem que está longe de ser real. A gente pressente quando está tendo a energia, a esperança e a alegria sendo sugadas de canudinho por esse tipo de gente que nunca está satisfeito com o que tem, simplesmente porque vive da loucura de querer, a todo custo, o que demos um duro danado para conquistar.

Sendo assim, e como nós realmente não somos perfeitos (nenhum de nós o é!), e como um pouco de auto avaliação não faz mal a ninguém, cuidemos de não nos transformarmos nesses ladrões de histórias alheias. Tratemos de olhar para aquilo que temos com um pouco mais de gratidão e um muito a mais de determinação para fazer a nossa realidade dar em alguma coisa que nos alegre e engrandeça. Façamos o favor, a nós mesmos e à humanidade, de sermos alguém a quem não se precise temer ou evitar. Em última análise, se aquilo que queremos, envolve o prejuízo de alguém, ou precisa ser tirado de alguém, tratemos de arranjar outra coisa para querer.







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"