Saudade é a alma vestida de doce melancolia

Acabo de ler o delicado “Vermelho Amargo”, de Bartolomeu Campos de Queirós. Lá pelas tantas, cheio de poesia, o autor diz: “Fui, desde pequeno, contra matar a saudade. Saudade é sentimento que a gente cultiva com o regador para preservar o cheiro de terra encharcada.” E parei para pensar na saudade, esse sentimento que de vez em quando dá as caras e tem tanto a dizer sobre nós.

Saudade é suspiro distraído do pensamento, quebra poética da rotina e lugar de recolhimento onde alinhavamos nossas memórias.

Saudade acorda num dia e nos diz que alguém faz falta. Ela desperta sorrateira e avisa que um tempo, há muito deixado pra trás, ainda não saiu de nós.

Saudade é tristeza disfarçada, falta escancarada, impermanência declarada. É paladar reconhecendo gosto de café da infância, bolo com essência de antigamente, fotografia desbotada pelo tempo, caligrafia declarando um amor que não existe mais.

Saudade é sentimento silencioso, de poucas palavras e gestos contidos. É a alma embaralhando o passado com o presente e a gente tentando desatar os nós pra vida seguir em frente.

Saudade é parceira da solidão, do querer sem poder, do desejar vapores de um tempo que já se extinguiu. É presença na ausência, barulho no silêncio, eternidade consentida e bem vinda mesmo que tenha se antecipado o fim.

Não acho a saudade um sentimento dolorido. Ao contrário, ao dar boas vindas à saudade, uma parte de mim desperta e vem à tona. E é me encontrando nesta esquina que sinto meu mundo se ampliar. Porque sei que não caminho sozinha. A saudade _ e todas as lembranças que andam de mãos dadas com ela _ me faz companhia.

Saudade é sentimento para ser conjugado no presente, mas denuncia o encontro da alma com aquilo que no passado soube fazer sentido. É o coração sussurrando: “a vida é feita de ciclos necessários…” e a gente acreditando que está exatamente no lugar que deveria estar, mesmo que carregue o peito cheio de recordações.

Saudade é a alma vestida de doce melancolia, receita da avó em caderno antigo, pausa para sorriso contido no meio da monotonia.

Saudade é falta, mas também presença. Presença de quem está longe mas vive dentro da gente, presença de uma história finda que se eternizou linda, presença de quem fomos na pessoa que nos tornamos.

Bartolomeu Campos de Queirós tem razão. Saudade a gente não mata. Ao contrário, a gente rega para ela não morrer. Pois o que seriam de nossos dias sem a saudade? O que seriam de nossas pausas num café ao meio dia sem a companhia da nostalgia? O que seria do ar de mistério que envolve o sorriso de todas as pessoas que tiveram um passado? O que seriam das músicas cheias de sentimento e dos enredos cheios de poesia?

Saudade é o coração dizendo que tem a capacidade de se restaurar, de continuar, de prosseguir mesmo que fiquem algumas lembranças pelo caminho. É a alma falando que houve outros tempos, outras histórias, mas a vida soube seguir seu curso e cumprir seu papel restaurador.

Que haja coragem e abandono. Coragem para seguir em frente e abandono de saudades desnecessárias. Mas que saibamos respeitar o coração cheio de lembranças, entendendo que é preciso resgatá-las de vez em quando como parte do que somos também, perdoando os momentos em que somos pegos de surpresa, seja no cair da noite ou depois de um sonho bom.

Que saibamos quão bonita é a nossa história, e que sejamos gratos a ponto de aceitar as conquistas, recomeços e aprendizados do mesmo modo que abraçamos os cansaços, as dúvidas e a companhia da doce melancolia, nossa eterna SAUDADE…

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.