O sentido da vida é aprender a lembrar que hoje pode ser o último dia

Por Gabriela Gasparin

‘O sentido da vida é aprender a lembrar que hoje pode ser o último dia’, diz jornalista que largou direção no Yahoo! para se dedicar a sebo de livros

No final de 2014, o jornalista Ricardo Lombardi, de 44 anos, largou o cargo que tinha de diretor de conteúdo do Yahoo! para se dedicar à venda de livros usados em um sebo montado na garagem da casa de sua mãe. A corajosa decisão dele, que inclui a redução dos gastos mensais em 70%, me fez ir até lá para entrevistá-lo, curiosa para saber o que ele responderia sobre o sentido da vida.

Cheguei no endereço onde fica a simpática loja de livros usados, chamada Desculpe a Poeira, em Pinheiros, no meio da tarde. Ricardo estava sentando numa mesinha na calçada do sebo, tomando um café e escrevendo no notebook. Na mesa, um livro e uma revista. Ao redor dele, duas bicicletas: uma para uso pessoal e outra adaptada com caixas para carregar livros.

A cena denunciou uma intenção que o jornalista em seguida me confirmaria verbalmente: a busca por simplificar a vida.

“Acho que simplificar é uma palavra interessante para mim. O mundo em que a gente vive é de muito consumo, as próprias escolhas são voltadas para o consumo. A gente tem que ter um celular melhor, e a tendência é sempre trocar as coisas por algo melhor ou superior. E acho que falta um pouco aquele momento que você para e pensa, eu preciso disso? Preciso dessas coisas? Eu preciso desse tênis, dessa roupa, desse celular? Se questionar um pouco mais acho que você consegue simplificar a sua vida e sua escolha também.”

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‘Acho que quando você tem um projeto em que acredita, você precisa gastar toda a sua energia nele’, diz Ricardo Lombardi

Eu perguntei a ele o que o moveu para apostar na mudança. Ricardo explicou que a escolha tem a ver com uma fase de ter mais tranquilidade na vida. Comentou, ainda, sobre a percepção de que o tempo é finito.

Em 2013, num curto período, a filha dele nasceu e seu pai morreu. Apesar de os dois fatos não terem relação direta com sua decisão de mudar a rotina, a experiência de vivenciar quase no mesmo tempo o nascimento e a morte fez com que ele refletisse mais sobre o sentido de sua existência. “Você começa a perceber que vai envelhecer, que as coisas vão passar, que você não vai poder voltar para fazer coisas que deixou de fazer.”

E foi essa sensação que o motivou a pensar que poderia fazer coisas que dão mais sentido para ele, de forma a passar mais tempo com a família, citando a mãe, a esposa e dois filhos. “Eu acho que a gente vai ficando mais velho e vai percebendo que andar de bicicleta é mais saudável, que andar a pé é mais saudável, que você pode se vestir de forma mais simples, se alimentar de forma mais simples e saudável, aproveitar mais as coisas que não custam nada.”

Para ele, o sentido da vida é “viver plenamente” e saber que as questões de hoje é que precisam ser colocadas na mesa, já que o passado já foi e o futuro ainda não aconteceu.

“Acho que cada um precisa entender a sua participação no mundo. Para mim, o sentido sempre foi viver o presente. É aproveitar o dia e tomar as decisões naquele dia como se fosse o último da sua vida, porque você não sabe o que vai acontecer, você pode escorregar numa casca de banana ou você pode ser diagnosticado com uma doença incurável. É um erro você projetar muito para o futuro. “

E completou: “o sentido da vida, acho que é aprender a lidar com a questão do presente, aprender a sempre lembrar que hoje pode ser o último dia.”

Vida no jornalismo

Ricardo trabalhou em redações de jornais por 25 anos, muitos deles em cargos de editor e diretor. Começou aos 17, como arquivista do Estadão, onde se apaixonou pela profissão e largou o curso de Direito que fazia para estudar jornalismo. Entre os veículos onde trabalhou está o Jornal da Tarde, editora D’Ávila, América Online (AOL), editora Abril e o Yahoo! (onde estava até setembro deste ano).

A mudança de vida não aconteceu de uma hora para outra. Na verdade, o que Ricardo fez foi sair do emprego para poder se dedicar a um projeto pessoal que toca há alguns anos. Desde 2007, ele tem um blog chamado Desculpe a Poeira, hoje hospedado no site do Estadão, onde dá dicas e sugestões de leituras.

Em 2013, numa viagem à Argentina, viu um sebo que despertou nele a ideia de criar, em suas próprias palavras, a “extensão analógica” do blog. “Pensei, e se eu fizesse um sebo com edições que eu gosto ou que alguém gostou, deu para mim e eu posso passar adiante? Eu tive essa ideia e pensei nessa garagem, que é da minha mãe. Falei, vou colocar em prática.”

Na época, o jornalista era diretor da revista VIP e trabalhava de segunda a sexta-feira. Foi nos finais de semana que ele mesmo reformou e transformou a pequena garagem da mãe no simpático sebo, processo que durou um ano e meio. “Primeiro eu pintei, coloquei as luminárias, fiz as prateleiras, o móvel, tudo. Até esse banquinho eu fiz”, disse, me apontando para um pequeno banco de madeira – a reportagem do Draft explica que ele fez cursos de marcenaria.

 

Desapego!

O desprendimento com relação aos bens materiais começou nessa época, inclusive. Ricardo percebeu que para tornar o sebo realidade precisaria desapegar do próprio acervo pessoal de livros. “Toda a minha biblioteca que eu tenho está aqui. Eu não queria me livrar dela, mas isso aqui só seria possível se eu começasse com ela.”

Em setembro de 2014, a ideia do sebo já estava formatada o suficiente e ele viu que o projeto precisava de mais tempo e dedicação para ganhar força. E foi por isso que resolveu sair do Yahoo!. “Eu acho que quando você tem um projeto em que acredita, você precisa gastar toda a sua energia nele, e não dividir em várias atividades, fracionar seu dia e sua energia, esse é meu modo de pensar.”

Para que a mudança fosse possível, ele vendeu o carro, mudou o estilo de vida e cortou seus gastos em 70%. Eu perguntei a ele se estava fazendo falta: “não, até agora não fez falta.” Ricardo estava vivendo de sua poupança, mas acreditava que dentro de um ano o sebo começaria a dar retorno financeiro.

“A beleza da nossa vida é que a gente pode fazer o que a gente quiser. A gente pode nascer de novo, mudar de profissão, reformular ou reformatar a nossa vida de outro jeito, que faça mais sentido naquela fase especifica. Eu não estou dizendo que é errado gastar dinheiro com roupa ou comer em restaurante caro, eu não acho errado. Você tem que saber que aquilo se encaixa com aquela fase da vida que está vivendo. Na minha fase atual, eu prefiro ter uma vida mais simples, prefiro ganhar menos, e gastar mais tempo com as pessoas que eu gosto, essa é a maneira que eu acho que pretendo gastar meu empo no resto dos dias.”

Vidaria é um projeto parceiro CONTI outra.







Jornalista, blogueira e escritora. Em 2013 criou o blog www.vidaria.com.br, onde publica depoimentos sobre o sentido da vida. O trabalho resultou no livro “Vidaria, uma coletânea de sentidos da vida”, à venda no site www.autografia.com.br.