O importante não é viver para sempre, é criar algo que não morra

Como aceitar a força inexorável do tempo? Como aceitar o trágico fim da morte? Acho que nunca a aceitaremos, porque por mais que esta terra seja dura, há tantas belezas nela. Sentir-se vivo é tão gostoso que é impossível não penar com a dor do fim.

É como diz um versinho da Cecília: “Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto…”. É que a vida passa tão depressa e nós temos tantas multidões dentro de nós, que uma vida é pouco mesmo. Entretanto, é a finitude que confere valor à vida e a torna tão rica, de modo que vivê-la de qualquer maneira é tolice e é dessa tolice que tenho ainda mais medo que da morte.

Estamos vivendo de um modo degradante. Sempre correndo, sempre com pressa, sem tempo para o outro, sem tempo para nós mesmos. Presos em trivialidades, em algazarras silenciosas, temos deixado de lado as pequenas belezas, os “eu te amos” entalados na garganta sufocando o coração, os abraços no pensamento e a ligação para amanhã.

Mas, o amanhã chega e continuamos presos nas nossas burocracias individualistas, continuamos sem tempo e deixamos tudo para um novo amanhã. Esquecemos, apenas, que a vida é breve como escreveu Quintana, que o amanhã um dia acaba e os sinos também param de tocar. Chegada essa hora, já não adianta pensar na tragicidade da morte, porque as nossas próprias vidas já estavam mortas.

A grande questão, assim, mais do que a morte é o caminho que se faz até ela, porque, parafraseando Chuck Palahniuk, se – “Todos nós morremos. O objetivo não é viver para sempre, o objetivo é criar algo que não morra”. Esse algo que não morre, essa eternidade finita, todavia, só pode ser criada através do divino que há no mundo e que se manifesta por meio do pequeno espaço que se estabelece na conexão entre as pessoas.

Essas pontes criadas por nossas almas permitem que memórias sejam criadas e compartilhadas, que sejam importadas e, portanto, que pedaços de nós continuem existindo dentro de outros corações mesmo quando aqui já não estivermos.

No entanto, na medida em que decidimos construir muros ao invés de pontes, escolhemos deixar de viver, para apenas existir e ser somente um rascunho que jamais será passado a limpo, que jamais será lido por outra pessoa.

Como lembra o velho Bukowski: “Todos nós vamos morrer, que circo! Só isso deveria fazer com que amássemos uns aos outros, mas não faz. Somos aterrorizados e esmagados pelas trivialidades, somos devorados pelo nada”. E é esse nada que tem se instalado. O nada da indiferença, da acomodação, da prepotência, da autossuficiência, do não to nem aí, do foda-se.

E, assim, o divino que se estabelece no encontro de almas, vai esvaindo-se do mundo e este se torna um inferno, aqui e agora, para que soframos com a nossa própria ruindade que nos esmaga e nos faz estranhos. Estranhos uns dos outros e, acima de tudo, estranhos de nós mesmos.

Estranhos do horizonte que chega e não encontra terra boa para repousar. Terra sem sombra, sem aconchego e sem histórias, porque enquanto se preocupava tão somente em construir fortes, deixou de lado quem ali habitava, o seu povo, a sua gente, a sua humanidade. Estranhos sem importância que partem sem deixar saudade, porque nunca abandonaram a sua condição estranha para tornarem-se conhecidos, palpáveis e amáveis.

Enquanto estivermos presos em nossas trivialidades, sendo esmagados pelo nada, continuaremos a ser estranhos que não conseguem se comunicar. E, desse modo, a vida mais do que curta, torna-se pequena, porque esquecemos que o que a torna grande e a faz mais forte que o tempo está dentro do “nós”, o qual esquecemos no instante em que decidimos viver de qualquer maneira e ser devorados pelo nada. Assim, a morte se converteu na própria vida e a tolice que temia se tornou a ordem nesse mundo de estranhos.







"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: [email protected]