O dia em que eu redescobri o amor

Por Marcela Picanço

No dia em que eu descobri que eu o amava, senti como se meu coração fosse um estilhaço dentro do peito. Não podia ser. Ou podia. Já fazia muito tempo que eu pensava no amor. Eu já tinha amado muitas vezes antes, mas, quando a gente ama de novo, esquece-se de todas as vezes que já amou e parece uma aventura completamente nova. É um caminho escuro e tortuoso, que precisa ser atravessado. As pessoas sempre falam de amor como uma coisa bonita, mútua e colorida. Realmente é, mas, até você descobrir, de fato, que o que sente é amor, você se vê olhando para um poço escuro, tentando decidir se desce ou não desce. Na verdade, quando você ama, passa a se questionar se o amor é mesmo só um sentimento.

A gente estava na Lapa, saindo de uma festa meio sem graça. Ainda tinha aquela confusão de gente na rua, bares com pessoas de todos os estilos. Pensamos em ir para casa de táxi. Vamos para casa, a gente compra cerveja no supermercado e come alguma coisa. Boa. Excelente ideia. Ele sempre tem essas ideias simples que me ganham. A gente sorri, faz uma dancinha idiota, beija-se e começa a rir mais ainda. Passa o ônibus que vai para a casa dele. Ele grita: o 433! E a gente sai correndo pela rua principal da Lapa, que, óbvio que eu não lembro o nome, atrás do ônibus. Corre! E eu corro mais e mais, até que o ônibus para no próximo ponto e espera a gente chegar.

Ele chega na frente, a porta do ônibus se abre e ele faz sinal para eu entrar primeiro, com um ato meio circense, virando as mãos e fazendo reverência. Peguei a mão dele e subi os degraus do ônibus, como se fosse uma princesa. Nunca gostei dessas coisas cavalheirescas, mas ele sabe fazer tudo virar poesia e história para contar. Eu achei tudo tão engraçado, que resolvi entrar na brincadeira. A gente sentou, respirou e ficou rindo durante um tempo. Ele falou: “tô sentindo uma coisa muito boa”. Eu disse: “eu também”. Eu queria dizer que era amor. Queria dizer eu te amo entre os balanços do ônibus e o barulho da janela batendo. Mas será que era amor? E se não fosse? Será que dava para voltar atrás? Eu poderia falar: “Ai, desculpa. Eu me confundi. Não é amor ainda, mas vai ser.” Mas, na verdade, era. Decidi esperar. O amor é um para cada um. E, para mim, amor é coisa séria. Não é coisa que se diga assim por bobagem qualquer. Amor é sentir que as batalhas diárias do outro agora também são suas. É fazer com que o sonho do outro seja uma parte do seu também. Amor é um monte de outras coisas que eu não sei colocar em palavras. Amor não se descreve, nem se sente. Vive-se.

A partir daquele dia, queria falar eu te amo toda hora. Mas não falava. E se não for? Quando a gente ama, tem vontade de viver amor pelo dia inteiro. O corpo inteiro fala amor, você se recusa a acreditar. E se for cedo demais? Mas nunca é cedo demais para amar. Você acorda com um nó na garganta. Em vez de falar bom dia, quer falar eu te amo. Você olha no fundo dos olhos e diz tudo, mesmo achando que o outro ainda não sabe de nada. O amor vai consumindo o corpo inteiro, então eu cantei, dancei e escrevi tudo que eu podia, até entender que o que me deixava inquieta, por todos aqueles dias, era simplesmente a palavra amor. Nem me passou pela cabeça que ele não sentia o mesmo. Não era necessário. Quando se ama, você só quer entregar as palavras, os sentidos, os gestos e não espera nada em troca. Eu quis falar eu te amo como se entrega um presente de aniversário. Eu sabia que, uma hora, o amor ia transbordar em mim e a única forma de não me afogar era colocando isso para fora a quem é dono desse amor.

Outro dia, eu escrevi um texto tentando descrever o amor. Não consegui. Enrolei-me toda nas palavras. Falei que queria inventar nomes e significados para o que eu sentia. Como era isso de se sentir totalmente livre, mas ao mesmo tempo parte do outro? A gente chegou em casa com o sol nascendo e ele me pediu pra ler o texto sobre o amor. Deixei. Assim que ele terminou de ler, entre suspiros e soluços, falei eu te amo. Foi como um respiro.

O resto da história eu não posso contar, porque é só nossa e virou nosso segredo. A gente leva a vida sabendo que tem um tesouro guardado. Quem ama sabe disso.

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Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.