O dia que amanheceu depois do fim

Coisas ruins acontecem, é inevitável. Muitas vezes, uma situação dificílima que aparentemente já foi resolvida, volta pra nos cobrar umas migalhinhas. O perigo não bate só nas outras portas, faz ruído em nossas soleiras também. E o que pode nos conceder alguma vantagem diante das ciladas da vida é ter coragem para reconhecer que se chegou ao limite máximo do pior que poderia acontecer. E o que pode nos dar a possibilidade de voltar a caminhar é ter honestidade para conquistar a própria confiança e perceber que o fundo do poço pode ser um lugar extremamente sedutor para quem se esqueceu que existe um mundo lá fora, esperando pelos corajosos. Pelos corajosos!

As crises existem, são reais e são cíclicas; e a única maneira de enfrentá-las é buscar entendê-las. Quando a crise atinge um grupo grande de pessoas, ainda que essas pessoas sejam diferentes entre si, há um sentimento de nivelação. É como se a desgraça tivesse o dom mágico de unir, pelo desespero, os que têm muito, os que têm pouco e os que têm nada. Isso vale para qualquer tipo de crise; seja ela moral, econômica, amorosa, existencial, social ou política. O mais incrível de tudo é que, em situação de crise coletiva, os que têm nada se encontram em posição de vantagem em relação aos que têm tudo. Que louco, não é? Mas é verdade! No caos, os menos favorecidos vislumbram uma oportunidade, enquanto os que se habituaram à fartura enxergam uma ameaça; e os que têm pouco, podem não perceber, mas é a sua chance de migrar para um ou para outro lado.

Do ponto de vista econômico, as crises cíclicas do capitalismo são reféns do método de produção. O capitalismo, em si, é um sistema econômico autodestrutivo, porque sendo desprovido de finalidade social, tem seu destino em rota de colisão com sua própria falência. Imagine que o industrial capitalista tenha capital sobrando e use a maior parte dessa sobra para modernizar sua indústria. Ele compra novos recursos tecnológicos para aumentar seu próprio poder de competição e, por isso, não precisa mais de tantos empregados. Acontece que ele não é o único a pensar assim. O que significa que a produção como um todo vai se tornando mais eficiente; assim, as indústrias, pouco a pouco, vão sendo concentradas nas mãos de uma minoria. Como consequência, cada vez menos trabalhadores são necessários, o que resulta em mais e mais desempregados. Aumentam, portanto, os problemas sociais.

O fato é que sempre que o lucro for investido nos meios de produção, sem que haja um excedente suficiente para garantir a continuidade da produção a preços competitivos, o dono da indústria terá de baixar salários a fim de poder comprar matérias-primas para a produção. Quando isso ocorre em grande escala, os trabalhadores empobrecem tanto que não podem comprar mercadorias. Com a queda do poder de compra, o colapso do sistema se torna iminente.

Ahhhh, meu assustado leitor… Nessas alturas você deve estar tendo uma estranha sensação de reconhecer essa situação, não é mesmo? Sinto não poder consolá-lo neste momento. É este exatamente, o preço que pagamos por colocar toda a nossa expectativa de realização no nosso poder de compra. Estamos absolutamente equivocados e não percebemos que há anos reproduzimos modelos econômicos e sociais alheios, sem nos darmos conta de que demos outra configuração, seja ela geográfica, histórica, política ou social. Estamos há séculos construindo uma trajetória vazia, já que nos convém a anestesia moral e intelectual. Não encontramos soluções porque não somos capazes de parar, pensar, analisar e reconhecer que podemos ser donos de nossas próprias histórias e que há soluções para os nossos problemas. Nós as encontraremos quando pararmos de idolatrar outras civilizações “de primeiro mundo”, que, caso você não tenha percebido, estão caminhando para um colapso.

Tudo bem! Pode ser que essa questão de crise no mundo ou no país seja por demais complexa para nossa cabeça. Vamos por partes, então. Reserve cinco minutos para analisar, com cautela aquela área da sua vida que anda precisando de uma auditoria. Pronto? Escolheu? Agora, faça a si mesmo algumas poucas perguntas. Como foi que eu cheguei aqui? Qual é a minha responsabilidade nessa confusão? Quais são os meus recursos reais para sair dessa situação? E, a pergunta mais importante… Eu quero sair? Isto posto, meu amigo leitor, bote um sorriso na alma (na cara só não vai adiantar!); arregace as mangas e as barras das calças (tem lama no caminho!); olhe pra dentro e enxergue pra fora. Você foi dormir achando que era o fim do mundo; no entanto, o dia clareou só por teimosia, só para esfregar na sua cara que ainda se espera muito da sua capacidade de recolher os cacos e se reinventar. E aquela mudança que você tanto espera, encontra-se exatamente na mesma situação que os sonhos que você aprendeu a domesticar e guardar no fundo da gaveta dos planos futuros. Sonhos e mudanças esperam que você acorde, reaja e demonstre que merece respeito e o direito de honrar o novo dia que amanheceu depois do fim.







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"