Nossas excelências

Imagem de capa: tommaso lizzul/shutterstock

Acho que eu estava perto dos 50, quando começaram a me chamar de senhora. Acontecia principalmente com gente muito jovem. A atendente da padaria Pioneira, por exemplo: A senhora quer seu pão na chapa? Eu ficava meio chateada e pensava: Quando será que perdi a prerrogativa do você? Mas os anos voaram mais rápidos do que o Super-Homem.

Hoje todo mundo me chama de senhora. Gente dos 5 aos 96. Então não me importo mais. Até quando me perguntam Quem quer falar? Repondo Dona Fernanda. Assumi o senhora e o dona. Mais ainda, aceito idosa, terceira idade, velha, vale-refeição, vale-transporte, assento e filas preferenciais.

Porque tanto faz. São apenas palavras que nos denominam quando temos muito mais passado do que futuro. Não que eu acredite que os nomes sejam inocentes. Ah, isso não! Boa parte da língua portuguesa poderia ir para a operação Lava-Jato.

O fato é que meu tempo é curto para que eu o perca polemizando com o vernáculo, o governo, o síndico, a atendente da padaria. Isso também tem a ver com quebrar o espelho que reflete o outro. Pois na juventude, eu me importava caminhões com a imagem que os outros faziam de mim.

Nessa história de agradar, disse muitos mais sins do que nãos. Traduzindo: entrei em frias monumentais, apenas para garantir que me amassem. É claro que não funcionou! Pessoas nos amam por razões misteriosas. Não pelo que fazemos ou desfazemos. Precisei de meia dúzia de décadas para chegar a essa conclusão.

É evidente que o outro me interessa. Mas mais por ele mesmo. Não pela imagem que ele faça de mim. Outro dia uma amiga de faculdade – que não vejo há 35 anos – escreveu no Messenger que me recordava como uma pessoa pé no chão. Levei susto, porque me sinto sempre com os pés a alguns centímetros do solo.

Daí perguntei para outra amiga – que me conhece como ninguém – Você acha que eu sou um tipo pé no chão? Ela respondeu bate-pronto Acho. Fiquei matutando: Qual imagem é mais real? Aquela que os outros fazem da gente? Ou a imagem que cada qual faz de si mesmo?
Sei lá! Mas tem algumas coisinhas que eu sei. Cabeça na lua ou pé no chão, gosto de andar de carro à toa.

Assim sem destino pelas ruas de Sampa. Também gosto de ler o jornal às 6 da manhã e decidir Amanhã não compararei mais. No outro dia lá estou lendo o jornal de novo. Gosto também de alguns gestos. Sendo o mais divertido deles, o dar de ombros. Dane-se a imagem é a excelência da minha idade.







Fernanda Pompeu é escritora especializada na produção de textos para a internet. Seu gênero preferencial é a crônica. Ela também ministra aulas, palestras e workshops de escrita criativa e aplicada. Está muito entusiasmada em participar do CONTI outra, artes e afins.