NÓS X ELES

Marcelo – Vocês viram que ano que vem estreia Batman x Superman?

Ivan – Não curto. Sempre achei o Superman muito coxinha. Conformado demais pra um cara que perdeu o próprio planeta, sabe? Aí ele resolve bancar o bom garoto, salvando a Terra toda hora? Sei não…

Paulo – Coxinha? Já reparou que a capa dele é vermelha? Tipo uma bandeira enorme? E a cueca pra fora da calça também é vermelha. Propaganda comunista, com certeza!

Ivan – Claro que não! O uniforme é azul. Junta tudo e dá a bandeira dos Estados Unidos. Imperialismo subliminar.

Paulo – Pra dar a bandeira, falta o branco. Acho que você tá confundido com o Capitão América.

Ivan – Vixi, esse aí já é um caso de imperialismo declarado. Dá até vergonha.

Paulo – Tanto faz, eu prefiro o Batman. Ele podia ser um símbolo da meritocracia! O cara perdeu os pais, mas não quis saber, foi à luta! Virou um self-made hero!

Ivan – Foi à luta? Que luta? Tinha tudo de mão beijada! O cara era milionário, típico filhinho de papai!

Paulo – Que papai? Acabei de falar que ele perdeu pai e mãe!

Ivan – E aí foi criado pelo mordomo! Mordomo! E mordomo inglês! Quem é que tem mordomo inglês?

Paulo – Pois é, exatamente! Ele podia ter ficado lá, esparramado na Mansão Wayne, alimentado com danoninho pelo Alfred e sofrendo a orfandade enquanto passava as tardes jogando Xbox, mas não! Ele preferiu fazer alguma coisa pelo bem da cidade, malhando pra virar herói e combater o crime!

Ivan – Ele que doasse a fortuna pro programa de renda mínima de Gothan. Se ele desse condições pros menos privilegiados, aí não ia ter Charada, Pinguim nem Hera Venenosa. Esse pessoal ia poder ganhar a vida sem ter que cometer crime usando aquelas fantasias ridículas.

Paulo – Sei, você tá dizendo que se tivesse tipo uma Bolsa-Família em Gothan, o Coringa não viraria criminoso e provavelmente ganharia a vida fazendo stand up?

Ivan – Por que não? De repente, ele podia ter virado uma variante mais inofensiva do Danilo Gentili.

Paulo – Aí você vai dizer também que nem o Batman existiria, porque o assassino que matou os pais dele era só uma vítima da sociedade?

Ivan – Vítima das Corporações Wayne, obviamente. Que é só uma representação do que o capitalismo tem de pior. E é tudo uma caricatura: a família feliz tá saindo de um teatro, onde foram assistir uma ópera. Madame vai feliz, com seu colar de pérolas, o Patrão de smoking, os dois levando o herdeiro pela mão, quando na esquina dão de cara com o andar de baixo da sociedade, que vem cobrar a conta.

Paulo – Nada a ver! Os Wayne simbolizam tudo de bom que tem a civilização ocidental cristã, são mecenas que iluminam uma sociedade corrompida.

Ivan – E o bandido representa quem?

Paulo – A barbárie, é claro.

Ivan – E a barbárie é quem? As minorias? O outro?

Paulo – Qualquer um que escolha o crime, seja lá quem for!

Ivan – Ninguém escolhe o crime, é empurrado pra ele.

Paulo – Olha aí, não falei? O cara mata o pai e a mãe do Bruce Wayne e você vem me dizer que é vítima da sociedade! Palhaçada, viu?

Ivan – O Batman é a Rachel Sheherazade de uniforme. É a personificação simbólica de quem amarra menor no poste e quer resolver o problema que ele mesmo criou na porrada.

Paulo – E na hora que o Duas Caras está prestes a destruir Gothan, você quer que o Batman passe a mão na cabeça dele?

Ivan – Ele que chame o Comissário Gordon, ao invés de fazer justiça com as próprias mãos.

Marcelo – Gente, eu só fiz uma pergunta sobre um filme, pelo amor de Deus! Vocês tão vendo política em tudo! Capaz de verem problema até em Chapeuzinho Vermelho!

Paulo – Óbvio, é a típica lavagem cerebral comunista pra crianças, afinal, ela não é vermelha à toa. O Lobo Mau é o capitalismo e o Caçador é o Povo.

Ivan – Você sabe que Chapeuzinho é mais velha que Marx, não sabe?

Paulo – Vai ver que antes era azul e ele mudou!

Marcelo – Pra mim já deu! Vou assistir a TV Senado, que até lá as conversas andam menos politizadas! Fui!







Nasceu 15 dias antes da chegada do Homem à Lua e é dramaturgo, roteirista, tradutor e produtor, mas conforme a ocasião, também pode ser operador de luz, de áudio, bilheteiro, administrador e contrarregra, ainda que não tenha sido camareiro, mas por pura falta de oportunidade. Questão de tempo, talvez, já que quando se faz teatro por aqui, sempre se cai na metáfora futebolística do bater escanteio e correr pra cabecear. Aliás, se aposentou do futebol na década de 80, quando morava em Campos do Jordão, depois de uma derrota por 6×0 para o time de uma escola adversária, cujo nome não se recorda. Ele era o goleiro.