A dor silenciosa dos enteados quando o pai ou a mãe se separa.

Hoje me veio à cabeça esse tema, me peguei pensando sobre as possíveis feridas emocionais dos enteados que, mediante a separação dos pais/mães das madrastas/padrastos vivenciam um verdadeiro luto, considerando que, no geral, a ruptura é de caráter permanente.

Obviamente, é de conhecimento de todos a fama negativa associada aos padrastos e madrastas, como é óbvio, também, que todos sabem da existência de pessoas que exercem com excelência esses papéis. E é sobre esses últimos que me refiro.

Não raro, muitas crianças e adolescentes são oriundos de um contexto de rejeição ou ausência paterna/materna, então, acontece de receberem, por meio da união de um dos genitores, a figura do pai ou mãe. Considerando que o vínculo afetivo é construído na convivência e que é facilitado quando os adultos estão predispostos e interessados nessa construção, é indiscutível que esse afeto seja real e significativo na vida de muitas pessoas que, embora não possuam vínculo genético, percebem um ao outro como pai/mãe/filho.

E que ocorre quando uma união se desfaz? É fato que o sofrimento se instala na vida de todos os envolvidos. O casal sofre, e muito, por mais que ambos tenham optado pela separação e por mais que o amor tenha morrido ou esteja soterrado sob os escombros da mágoa e do ressentimento. Esse sofrimento poderá durar uma semana, um mês, um ano ou uma década. Mas eles acabam se refazendo e se reestruturando, enfim, a vida segue.

Quanto aos filhos biológicos do casal, eles sofrem muito também, afinal terão que passar por uma readaptação no que se refere à rotina de convivência familiar, porém, eles continuarão tendo contato com os pais, e se isso não acontecer será por irresponsabilidade, negligência ou insensibilidade dos adultos que, não compreendem que a paternidade/maternidade não é uma condição que pode ser anulada no cartório juntamente com o casamento.

E como ficam os enteados no contexto de separação? Ficam como cartas fora do baralho, lamentavelmente. A eles, restam, simplesmente engolir o choro e mascarar a dor da ausência de quem exercia o papel de pai ou mãe. Mascarar, sim, considerando que, talvez, dependendo do contexto, eles nem terão a liberdade de chorar essa perda. Quando o padrasto ou madrasta arruma as malas e sai de casa, no geral, eles não farão questão de voltar para ver o “ex” enteado, sem contar que, ainda que tivessem tal interesse, talvez encontrassem a barreira imposta pelo(a) ex, pai ou mãe da criança ou adolescente. Então, ali estará uma criança ou adolescente que, não raro, já veio de uma rejeição por parte de um dos pais biológicos que deixou sequela, tendo que enfrentar, outra vez, um abandono.

Sem visita nos feriados, sem passar as férias juntos, nada disso. Sem falar que tem toda uma rede relacional da família do padrasto/madrasta que ela terá que dizer adeus: primos, avós, tios e etc. Seguramente, trata-se de um luto. Infelizmente, a imaturidade e o egoísmo daqueles que construíram um vínculo matrimonial e inseriram essas crianças nele, não permitirão que eles levem em consideração a dor e as sequelas nas vidas daqueles que não tiveram opção de escolha. E as consequências desse descaso poderão resultar, dentre outros malefícios emocionais, em adultos desconfiados e com muitas dificuldades para estabelecerem vínculos, pois terão como norteadores, as experiências traumáticas, nas quais aprenderam que o amor é algo que pode surgir e desaparecer sem aviso prévio, sendo assim, é melhor não confiar nele.

Imagem de capa: Yuriy Golub/shutterstock







Sou uma mulher apaixonada por tudo o que seja relacionado ao universo da literatura, poesia e psicologia. Escrevo por qualquer motivo: amor, tristeza, entusiasmo, tédio etc. A escrita é minha porta voz mais fiel.