Não queira curtidas no face, queira beijos na boca

Os quinze minutos de fama preconizados por Andy Warhol encontrou terreno propício nas redes virtuais, que vem se tornando a vitrine perfeita para aqueles que buscam o sucesso e a popularidade. E, nessa busca desenfreada por fãs, seguidores e gigabites de curtidas, muitos de nós acabamos fugindo completamente àquilo que realmente somos. Importa, afinal, ter o instagram, o face e o blog lotado de curtidas e visualizações. Se o que se valorizam são os bens materiais, a beleza física e o guarda-roupa comprado em euros, esse deve ser nosso objetivo, haja o que houver, rumo à felicidade que ilusoriamente parece estar presente nisso tudo.

Para atingir esse objetivo, muitos usam de artifícios como a exposição de seus corpos, flashes de uma vida coreografada, frases pontuadas por chavões e palavras de baixo-calão, que são os principais chamarizes de grande parte dos navegantes virtuais. Nada parece interessar mais ao grande público do que o glamour, o corpo malhado, a fila interminável de parceiros, uma atitude hedonista e um discurso calcado no senso comum. Além disso, ser popular tornou-se uma profissão rentosa, pois há quem viva – e muito bem – com os lucros de um blog, de uma comunidade virtual ou de um instagram que agrega merchandising. E, mesmo que não se lucre com isso, a satisfação de ver as curtidas e visualizações se multiplicarem parece valer todo e qualquer esforço.

Boa parte do público virtual é ávido por notícias sensacionalistas envolvendo os rostos midiáticos conhecidos, fotos de viagens e de hotéis cinco estrelas, físicos perfeitos, atitudes descoladas e afirmações de autoajuda. Então, é isso o que os aspirantes à fama irão fotografar; é assim que irão se comportar; é a forma como irão escrever. Se o artista tem de ir aonde o povo está, como diz a canção, então vamos embora, mesmo às custas de que contrariemos tudo ou parte do que acreditamos, mesmo que nos percamos de nós mesmos nesse processo.

O sucesso alheio serve-nos como parâmetro daquilo por que ansiamos, pois é lá que muitos de nós queríamos estar, sob flashes, em meio a badalações, festas e viagens internacionais, por isso as visualizações se avolumam em publicações desse tipo. Além disso, observar o sucesso do outro a uma distância segura, como a que nos separa dos famosos, não nos dói, nem provoca uma inveja tão forte e pungente como a que nos acomete quando somos espectadores do sucesso da pessoa ao lado. Podemos,assim, observar o sucesso de quem não convive conosco sem nos sentirmos diminuídos, sem que se abale nossa autoestima.

Da mesma forma, as notícias sobre os famosos flagrados em atitudes suspeitas ou sofrendo algum revés acabam nos trazendo uma espécie de alívio e resignação, porque então nos certificamos de que todos, sem exceção, estamos sujeitos à dor, ao erro e ao fracasso. É inevitável buscarmos o nosso equilíbrio emocional, em momentos de tempestades, olhando em volta e percebendo que existem situações muito piores do que a que estamos enfrentando naquele momento. E perceber que as ventanias também batem à porta de quem parece ter tudo para ser feliz é ainda mais reconfortante, é nossa felicidade clandestina, como diria Clarice Lispector.

Não há nada de errado em querer brilhar na vida por meio da fama e da popularidade, pois cada um que procure ser feliz à sua maneira; o problema é a forma como se busca atingir esse objetivo. É perigoso agir sem ponderação em todos os setores de nossas vidas, e ainda mais perigoso quando estamos nos lançando à exposição sem filtro e sem edição da rede virtual, pois não conseguimos deletar o que já foi publicado e divulgado na internet. Muitas vezes, só percebemos que erramos quando a situação já alcançou proporções gigantescas e nada mais pode ser feito – infelizmente, o print nos torna impotentes frente ao erro cometido.

Essa busca pelo sucesso na rede é por demais sedutora e pode acabar nos levando ao distanciamento de quem somos, de nossas crenças e valores, deslocando-nos de nossa essência. Escrever, alimentar-se, viajar, vestir-se, relacionar-se e expressar-se, pautando-nos tão somente por aquilo que o público curte, compartilha e segue, à revelia do que nós mesmos curtiríamos e seguiríamos, acabará, em algum momento, nos incomodando e machucando nossos sentidos. Ninguém pode ser capaz de sustentar uma mentira por muito tempo, sem sucumbir ao caos emocional que isso provoca.

Precisamos, no entanto, ter consciência de que sermos corajosos o bastante para viver respirando nossas próprias verdades poderá nos relegar ao anonimato, limitando o alcance de nossas ações e a quantidade de curtidas e compartilhamentos em nossos murais, como se fôssemos menos importantes, como se estivéssemos cerceando nossas potencialidades, o que quase nunca corresponde à realidade. Porque um viver sincero, ainda que compartilhado por poucos, estará nos conectando a quem realmente se importa conosco, a quem nos conhece e nos ama em tudo de bom e mau que temos a oferecer. Estaremos então cercados por quem não desistiu de nós e permaneceu ao nosso lado. E essa aceitação, ainda que proporcionalmente ínfima em comparação à do público virtual, é vital no fortalecimento de nossa identidade, no autodescobrimento diário a que nos lançamos. Lá no fim de nossa jornada, afinal, permaneceremos vivos e presentes exatamente na memória desses poucos fãs verdadeiros, que sorriram e choraram uma vida inteira ao nosso lado.







"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.