Na última semana o Rio fez 450 anos e o que temos para comemorar?

Por Adriana Vitória

Com um sentimento antigo que mistura uma profunda sensação de impotência e ressentimento, é quase difícil pra mim admitir o quanto amo esta cidade, e por este mesmo motivo, é impossível não reconhecer que, este pedaço de terra naturalmente maravilhosa, esta afundando.

Nem vamos falar do estado, que se encontra quase em calamidade !
Nestes 450 anos nunca houve um planejamento urbanístico sequer, os poucos que ousaram, nunca foram respeitados, como todo o resto neste pais. A exuberante flora e a fauna da cidade que inspirou minha vida e meu trabalho como artista plástica, embora não pareça, esta desaparecendo a olhos nus. Construções históricas foram demolidas e suas matas vem sendo derrubadas.

A pobre baia de Guanabara recebeu em 1991, do banco inter americano e do governo japonês, 800 milhões de dólares para ser despoluída. O dinheiro sumiu e a poluição esta pior do que nunca. Apenas 20% do esgoto da cidade e tratado e os outros 80 deságuam direto na pobre senhora.
Os botos, que um dia foram símbolo da cidade hoje somam 40 indivíduos.
Em 4 séculos e meio, seja nos anúncios das agencias de turismo, seja nos postais ou em qualquer outra mídia, lá estão o Corcovado, o pão de açúcar e suas praias, mas quem foi que determinou que isto é o Rio ?

O estado tem cerca de 16 milhões e meio de habitantes sendo que 13 vivem na cidade de cerca de 1200km2. Destes 13 apenas cerca de dois milhões habita o pequeno feudo de 100km2, a zona sul das praias e da lagoa poluídas. Quatro séculos e meio de governos indiferentes não são, a meu ver, algo para se comemorar.
Boa parte desta pequena elite sequer conhece sua cidade, pois não se atreve a ultrapassar o túnel a não ser quando vai viajar.

Chega a ser chocante a insistência de uma minoria decadente mas ainda poderosa em ignorar a existência da ressentida zona menos privilegiada, e isto inclui os moradores das favelas que os cercam e sobrevivem servindo a esta pequena corte.

A grande parte dos 10 milhões que não estão no mapa estão na zona excluída e esquecida, a zona norte, que com exceção da Tijuca e Grajaú vivem em completo abandono com ruas esburacadas, sem policiamento adequado, sem saneamento, sem coleta de lixo, sem nada.

A classe media esta a beira do colapso, sufocada pelos valores surreais dos alugueis, escolas privadas, impostos abusivos e desprovida de seguranças e carros blindados, ainda tem que aguentar a crescente violência, mas ainda vale o sofrimento pra se estar numa das cidades mais queridas do planeta.

Por muito menos Luis XVI perdeu a cabeça na revolução que transformou o mundo, criando uma radical mudança social democrática com princípios iluministas de cidadania e direitos inalienáveis.

Como é que os “cariocas” podem continuar comemorando pra mim só pode ser um surto de esquizofrenia.

Ainda espero ver um Rio de liberdade, igualdade e fraternidade. Enquanto isso, exerço minha cidadania da forma que posso, e me dou o saudável direito de me refugiar na serra para ter um mínimo de qualidade de vida e paz pra criar minha filha.

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Logotipo dos 450 anos do Rio de Janeiro






Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.