Morar no campo e a “qualidade de vida”

Por Luis Gonzaga Fragoso

Moro numa chácara. Lugar com verde exuberante. Tucano, beija-flor, quero-quero, e mais uma infinidade de pássaros fazem o pano de fundo musical.

Para terem uma ideia do sossego, escrevo em pleno dia de Carnaval. O praticumbum-bungurundum do vizinho durou meia hora, se muito.

Volta e meia, um visitante solta o comentário: “Aqui, sim, vocês têm qualidade de vida!”.

Ao ouvir isso pela primeira vez – há seis anos –, pensei, todo pimpão: “É verdade!”.

Da segunda vez em diante, comecei a ficar encafifado. Cada vez mais, a frase me cheira a slogan publicitário. Lenga-lenga de anúncio de condomínio fechado.

Que diabos significa ter “qualidade de vida”? Respirar ar puro? Viver sem estresse? Poder desacelerar o ritmo de trabalho?

Em tese, isso tudo acontece. Mas… a decisão de deixar a metrópole para morar no campo fará de mim um cara zen, com uma rotina também zen? Ora, a própria natureza do meu trabalho pode me transformar, fácil, num “workaholic”.

A mera mudança de paisagem, estar rodeado de verde em vez de concreto, pode muito bem ser inócua. Exemplo disso: nosso ex-vizinho, da primeira chácara em que moramos, era a antítese da imagem que se faz do homem do campo. Estressado como só ele. E já morava ali há 15 anos!

Aliás, não é incomum que, engatado à frase que louva nossa “qualidade de vida”, apareça o comentário: “Bendita hora que vocês saíram daquele inferno que é São Paulo”.

Pigarro. Pigarro duplo. Pois o que me levou a deixar a metrópole nada tem a ver com estar farto dos problemas da cidade. Aconteceu de estarmos disponíveis para os movimentos do universo. Bela manhã, Mulher e eu viemos visitar uma chácara, e nossa intuição sussurrou: “Este lugar é pra vocês, e este é o momento, venham pra cá!”. Em dois meses mudamos, de mala e cuia.

Saí em paz com a metrópole, e nela voltaria a morar, caso necessário. Adoro o lufa-lufa de São Paulo. Mas também adoro as várias pausas que cultivo aqui. Movimento e repouso, essa dança me faz muito bem.

O problema básico na busca da “qualidade de vida” me parece ser a crença do indivíduo, de que um fator externo – paisagem física, silêncio, distância considerável de vizinhos etc – pode operar uma mágica em sua vida. Bobagem. E nesta crença está embutido um condicionamento nocivo: o hábito de culpar as circunstâncias externas e a paisagem física por suas frustrações. Com isso, evita-se assumir uma responsabilidade que demanda energia e empenho – mudar o que não lhe agrada, e que o faz infeliz.

Mas, da próxima vez que me deparar com o louvor à tal “qualidade de vida”, posso poupar meu visitante deste discurso verborrágico que você, paciente leitor, acaba de aturar. A ideia é sair à francesa, e colocar o CD de Gilberto Gil pra tocar baixinho, nesta faixa abaixo, cujo refrão sintetiza isso tudo.

LUIS GONZAGA FRAGOSO

Tradutor e Revisor

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Nota da CONTI outra: A publicação do texto acima foi autorizada pelo autor.







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