Mar amar

por Fernanda Pompeu
imagem Régine Ferrandis

Pezinhos na areia fofa e molhada de água salgada das pequenas ondas. Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, anos 1960. Não tinha shopping, não tinha vitrine de big prédios residenciais. Havia dunas de areia, vento forte, minha avó Affonsina e o mar.

O mar que eu percebia pela primeira vez. Ele que me acompanharia por toda vida. Primeiros registros – como sacou o publicitário Washington Olivetto – são o primeiro sutiã, aquele que a gente nunca esquece. Portanto lembrei do mar da infância quando, aos 40 anos, visitei o Cabo de São Vicente, no Algarve português. Que tontura! Olhar o mar a partir do Cabo é se debruçar para o infinito de água e sal, para as lágrimas e os depois. Portugal cheira a sardinhas, a perceves, a conquistas.

Quer morrer no mar, mas o mar secou, o poeta Carlos Drummond diz ao José, sujeito que não sabe mais o que fazer, nem para onde ir. Mas, meu poeta querido, o mar nunca seca. Secam os rios, os chãos, as bocas. Até o amor seca. Já o mar é planeta molhado. Se um dia secar, acaba tudo. Acabam as formigas, os bois, as pérolas, bijuterias, guerras e poemas.

Sem o mar, Isidore Ducasse, aliás Conde de Lautréamont, jamais teria escrito Os Cantos de Maldoror, publicado em 1869. Nessa narrativa estranha e fantástica, há o mar coração, mar travessia. Mar hipocrisia, mar humano. Lembrei agora de uma pequena joia do Paulo Leminski: Aqui nesta pedra alguém sentou olhando o mar. O mar não parou pra ser olhado. Foi mar pra tudo quanto é lado.

Se não existisse mar, talvez nem houvesse literatura. Pois mesmo nas narrativas de sertões, interiores, grotões o mar está sempre presente. Seja em sonho, desejo, ou qualquer outro sentimento. Faz alguns anos, viajando pela Bolívia sem saída para o mar, me veio a certeza de que todo e qualquer país tem direito ao mar. É isto: o mar é direito inegociável. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, esqueceu de pôr este artigo: Todas as pessoas têm direito a ver o mar, sem necessidade de passaporte ou qualquer outra burocracia.

Até em países extremamente desiguais – como o Brasil – o mar leva a fama de ser de todos. O de Copacabana, o do Farol da Barra, do Gonzaga, da Iracema, Boa Viagem, Icaraí, Praia Grande. Até o do Desterro, da Boa Morte, do Coração Partido, da Enseada do Botafogo. Simples. O mar é de todo mundo, porque é de ninguém.







Fernanda Pompeu é escritora especializada na produção de textos para a internet. Seu gênero preferencial é a crônica. Ela também ministra aulas, palestras e workshops de escrita criativa e aplicada. Está muito entusiasmada em participar do CONTI outra, artes e afins.