Mãe, tem brinquedo no céu?

Por Adriana Vitória

Quando minha filha estava com cinco anos não queria mais ir à creche. Não estava muito feliz, então decidi mudá-la de escola. Ainda faltava um ano pra que fosse alfabetizada, mas quando fui a uma reunião de avaliação para a matricula, me disseram que ela iria para o primeiro ano, antigo CA ou classe de alfabetização.

Achei que ainda era muito cedo, mas me disseram que como ela já conhecia todas as letras e contava ate sei lá quanto, estava pronta.

Minha intuição, que sempre foi minha melhor amiga na criação da minha filha, me dizia que deveria esperar, mas a diretora parecia tão segura que concordei.

O ano começou, e o mundo lúdico de aprendizado com pinturas, colagens e música se extinguiu do dia pra noite.

Eram toneladas de deveres de casa todos os dias. Se uma palavra fosse mal escrita, teria que ser reescrita em casa vinte vezes.

Ela chorava e aquilo me fazia mal. Eu sempre procurei respeitar o desenvolvimento dela, físico, mental, emocional e espiritual. Eu a observava cuidadosamente: deixou a fralda, a mamadeira e a chupeta em seu tempo. Nem mais, nem menos. Ia se transformando de acordo com sua necessidade.

Mas naquele momento, o que eu via era que sua natureza estava sendo violentada. Ela tinha que correr para acompanhar um processo imposto que não era o dela.

Dois meses se passaram e, um dia, durante a volta da escola ela me perguntou: Mamãe, quando morremos podemos levar nossos brinquedos pra brincar no céu?

Essa foi a deixa. Tínhamos chegado ao limite. No dia seguinte fui a escola e disse que ia tirar minha filha de lá.

A coordenadora não tinha argumentos. Me pediu que a deixasse. Ao mesmo tempo, ela não queria deixar as amiguinhas. Decidi deixá-la terminar o ano mas ela não teria que fazer nenhum dever de casa.

Continuei observando. Ela aproveitou o resto do ano e finalmente nos mudamos de cidade. Agora ela esta tranquila em uma escola que ainda esta longe de ser a ideal, mas que acompanha seu desenvolvimento com respeito.

Esta na hora das escolas reverem seus conceitos. Nós, como pais, devemos estar atentos ao que nos chama a atenção e não parece natural. Nossa intuição é uma grande conselheira. Basta ouvi-la.

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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.