A gente nunca sabe quando a vida está prestes a mudar para sempre

A gente nunca sabe quando a vida está prestes a mudar para sempre. Você acorda num dia comum sem saber que logo ali na frente algo muito grande está para acontecer, ou toma uma decisão, que parece ser só mais uma entre tantas, e essa atitude altera o curso de sua história de forma definitiva.

A gente nunca sabe se o dia que amanheceu sorrindo irá terminar chovendo em lágrimas, ou se a semana que começou nublada irá desembocar numa sexta ensolarada.

A vida não nos oferece garantias, certezas ou segurança de forma alguma, e é justamente essa possibilidade de surpresas que a torna tão especial.

Outro dia li uma frase de Caio Augusto Leite que dizia: “Os dias mais felizes são aqueles com menos planos na agenda”. E percebi que a felicidade gosta de surpreender; está à espreita de brechas para se revelar; está escondida nos cantinhos dos dias mais acidentais, nas entrelinhas da rotina, no poente das horas preguiçosas.

A felicidade não avisa que vai chegar nem anuncia que aquele momento presente é o momento que jamais iremos esquecer. Poucas vezes temos a consciência de estarmos vivendo um momento carregado de eternidade. Essa noção virá só lá na frente, quando o momento for revisitado em noites carregadas de nostalgia e poesia.

E me vem à lembrança uma festa memorável nos meus tempos de faculdade. Cursando odontologia, nosso dia de clínica foi cancelado devido a um defeito no compressor. Naquela tarde, tivemos uma das melhores festas que nossa turma já viu, a eterna “Festa do Compressor”. Sentados em bancos improvisados no quintal da República Pé de Chinelo, comemoramos à vida e brindamos ao compressor quebrado. Sem planos, sem regras ou restrições, demos oportunidade para a felicidade se cumprir enquanto a festa rolava. A gente não sabia, mas a vida estava prestes a mudar para sempre. E enquanto fotografávamos uns aos outros com nossas câmeras (com filme embutido) e prometíamos nunca mais nos afastar, a eternidade selava nosso encontro. Hoje, cada um daqueles que se reuniram ali, naquela tarde, enfrenta ou enfrentou suas próprias batalhas. Mas saber que aquela festa existiu é entender que uma parte de nós sempre estará lá, naquele quintal, num dia tão especial.

Felicidade é pra gente distraída, privilégio dos que viajam sem culpa e sem compromissos na agenda. É contrato com a simplicidade, com o desarranjo de coisas supérfluas e mãos dadas com uma tarde amena de primavera, bilhetes escritos à mão, cadeiras na calçada e cheiro de bolo quentinho.

A gente nunca sabe quando a vida está prestes a mudar para sempre. Nem sempre conseguimos nos despedir de quem amamos, das ruas onde brincamos, dos sabores que experimentamos. Nem sempre temos a consciência de que aquela será a última vez, e podemos não dar a devida reverência ao que merece ser reverenciado.

É preciso deixar os medos morrerem baixinho, a culpa se extinguir devagarinho e a mágoa se dissipar de mansinho. Só assim estaremos prontos para que a felicidade nos alcance e nos surpreenda. Só assim estaremos prontos para aceitar que a vida mude para sempre e nos leve a construir uma nova história, repleta de sopros de alegria, vapores de eternidade e impermanência do tempo…

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.