Frágil

O que vou contar aconteceu mesmo. Começou com manhã nublada numa avenida Paulista estranhamente livre para às 7h de uma segunda. Oba! pensei. Está parecendo que tudo vai dar certo hoje. Foi com espírito leve que entrei no hospital para realizar uma biopsia da tireoide orientada por ultrassonografia. Dias atrás ao marcar o exame, por telefone, a atendente disse que o procedimento era simples. Frisou que eu deveria ir acompanhada por um adulto. Cismei com esse adulto. Perguntei: O exame dói?

Ela respondeu que o procedimento (exame deve ser palavra fora de moda, pois sou eu o mencionava) era tranquilo, com anestesia local. E a dor depende muito da sensibilidade de cada paciente. Disse comigo: então é fácil. Tenho baixa sensibilidade para a dor, tanto que no dentista sou durona. Aguento quase tudo sem anestesia. Veio o feriado, o sábado, o domingo. Eu lembrava, só de passagem, do exame (ops! do procedimento) que me aguardava na manhã de segunda-feira.

Chegou! Ao entrar na sala gelada, a enfermeira instruiu: A senhora deite com a cabeça abaixada e os ombros no travesseiro. Então a médica, jovem e séria, avisou que passaria o anestésico. Na base do meu pescoço entrou uma agulha. Atravessou a alma. Não me contive: Isso é horrível. Não me contaram que seria ruim assim. Se eu soubesse. Então a discípula de Hipócrates me repreendeu: A senhora não pode falar e nem se mexer, senão não consigo fazer o procedimento. Calei. Ela iniciou o exame em si. Mais empurrões na minha tireoide, mais puxões (o nome técnico é punção). Passei a tremer. A boca secou. As lágrimas vieram. Meu leitor, minha leitora, entrei em estado de pânico.

É claro que indaguei em silêncio: Cadê a mulher corajosa? A Fernanda forte? Deve ter tomado doril, chá de sumiço, mudado súbito de endereço. A senhora agora pode relaxar, acabou o procedimento, disse a enfermeira. Levantei. Não disse obrigada para ninguém. Congelada lembrei os versos do bom Carlos Drummond: “Provisoriamente não cantaremos o amor (…) Cantaremos o medo da morte e o medo depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas“.

Imagem: Régine Ferrandis

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Fernanda Pompeu é escritora especializada na produção de textos para a internet. Seu gênero preferencial é a crônica. Ela também ministra aulas, palestras e workshops de escrita criativa e aplicada. Está muito entusiasmada em participar do CONTI outra, artes e afins.