Farinha do mesmo saco

Por Fabíola Simões

Outro dia, um amigo de longa data se referiu a mim e a uma amiga em comum como “farinhas do mesmo saco”. E ri da expressão, orgulhosa de ser o mesmo tipo de pessoa que minha amiga.

Dizem que os opostos se atraem. Talvez porque eu busque no outro o que me falta, ou aquilo que desejo revelar, mas só ele consegue exteriorizar.

Porém, em se tratando de amizades, felicidade é ser farinha do mesmo saco, do tipo que engrossa o mesmo caldo ou dá consistência ao fermento que fomenta a vida.

Quero ser farinha do mesmo saco de quem mora longe, mas se faz sempre perto, e não deixa a saudade distanciar. De quem cuida da amizade com vontade de estar presente, sem correr o risco de que o tempo apazigue a memória do que sempre queremos lembrar;

Desejo ser farinha do mesmo saco de quem não tem medo de ser imperfeito, e trata com carinho seus deslizes, compreendendo que nossas incompletudes são partes do mesmo saco também;

Sou farinha do mesmo saco de quem compartilhou um tempo bom, e fez da trilha sonora e cinematográfica de sua vida parte da minha também, eternizando “Grease”, os clássicos de Woody Allen, “Moon River”, Legião e “Go Back” _ na versão linda com Fito Paez;

Sou farinha do mesmo saco de quem me viu modificar com a idade, e transformou-se comigo, superando as dificuldades do caminho e prosseguindo lado a lado, compreendendo que ainda que os roteiros sejam distintos, permanece aquela linha invisível ligando os mundos;

Quero ser farinha do mesmo saco dos amigos que inventam grupos no whatsapp, e espalham videos, fotos e outras bobagens só pelo pretexto de nunca mais deixarem a distância apartar;

Sou farinha do mesmo saco de quem não consigo esconder um segredo, e partilho mesmo correndo o risco de chorar; entendendo que no mesmo saco encontro amparo para meus medos e conflitos também;

Sou farinha do mesmo saco de quem entende minha reserva de tempos em tempos, a necessidade de encontrar abrigo em meu universo particular, de quem supera meu contraste e introspecção;

Sou farinha do mesmo saco de quem não se fragiliza diante de minha alegria, mas partilha do mesmo sorriso quando a vida floresce em meu canteiro;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem compartilha sua alegria sem rodeios, e não se intimida quando o tempo traz a poda de suas _ e minhas _ mudas ou estruturas;

Sou farinha do mesmo saco de quem não tem medo de chegar, e não vive com receio de que a proximidade derrube as portas que construiu pra se blindar. De quem entende que a amizade é um sentimento mútuo, que só cresce reciprocamente;

Sou farinha do mesmo saco de quem perdoa a si mesmo, e aprende a não se culpar em demasia. De quem me ensina a relevar meus próprios julgamentos e entende minhas pequenices, tombos e fraquezas, sem usar isso pra me desconcertar;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem ama sem impôr condições, e permite que lhe amem na mesma proporção. De quem não evita a possibilidade de ser melhor com o tempo, mas tenta se aprimorar com a passagem dos momentos;

Sou farinha do mesmo saco de quem sabe dirigir o olhar com delicadeza e serenidade, acreditando que é merecedor de dádivas e milagres diários. De quem sabe agradecer o presente que é a própria vida e tolera os imprevistos com ginga e sabedoria;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem tem tanto a me ensinar, pois meus pés ainda trilham terra barrenta, que tem tanto a se transformar.

A vida nos pede ânimo novo todos os dias. Precisamos ser farinhas do mesmo saco. Precisamos de quem nos ajude a lapidar nossas arestas e arredondar nossos cantos ou esquinas.

Bom mesmo é encontrar quem nos acolha. Quem tem tanto a oferecer e nos enxerga com olhos generosos. Quem nos abraça e convida a ser assim, simplesmente… Farinhas do mesmo saco…

Imagem de capa: savageultralight/shutterstock

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.