Eu não deixo ninguém para trás, as pessoas é que me perdem aos poucos

O cotidiano nos entope de atribulações mecânicas e repetitivas, ocupando-nos de obrigações e de responsabilidades, estendendo nosso horário de trabalho muito além das oito horas diárias, deixando-nos pouco espaço a ser preenchido com a convivência humana e afetiva. Com isso, o perigo de nos afastarmos do contato pessoal, de nos esvaziarmos de sensibilidade e tato, de nos levar à frieza de uma vida solitária, é uma constante.

Muitas vezes, focamos nossas energias tão somente na obtenção daquilo que queremos em termos de realização profissional, no sentido de alcançarmos sucesso profissional e estabilidade financeira, ao passo que nos esquecemos de reservar um tempo necessário às relações pessoais. E assim seguimos acumulando coisas e conforto, enquanto perdemos, aos poucos, as pessoas que nos são vitais, que nos ajudam a ser melhores, sem sucumbir.

Por essa razão é que, às vezes, temos a sensação de que estamos sendo ignorados ou desprezados por alguém cuja amizade vai se enfraquecendo, cujas mensagens vão diminuindo, cujos telefonemas vão rareando, cujos encontros vão se extinguindo. E, em vez de percebermos o quanto nosso comportamento influenciou nesse distanciamento, ficamos tentando culpar somente o outro pela distância que nós mesmos alargamos, ocupados que estávamos com tudo menos com ele.

Nesse sentido, nem sempre o afastamento é proposital, nem sempre esquecemos alguém porque quisemos, nem sempre as pessoas vão embora porque não nos amam mais. É a ausência de contato, de olhar, de se importar, de regar e de cuidar que nos afasta uns dos outros, muito mais do que o desamor. É a valorização extremada das conquistas materiais que nos esvazia de conquistas afetivas, de forma sutil, mas fatal.

Daí a necessidade de reservarmos dentro de nós lugares especiais onde habitarão aqueles a quem devemos gratidão por nos ajudar a ser pessoas melhores, a levar conosco cargas de sentimentos que não se podem perder, por mais que o corpo doa, por mais que o tempo corra, por mais que se canse, se extenue, se desabe. Perder aquilo que se compra pode até ser penoso, mas perder quem nos deu as mãos com amor de verdade é irreversível. E muito doído.

Imagem de capa: Helena Lansky/shutterstock







"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.