É preciso se perder para voltar a se encontrar

“Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: Como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?”
— Friedrich Nietzsche.

É impossível compreender a vida em sua totalidade. Isso é completamente apavorante. Nos assusta. Nos deixa acuados. Nos deixa impotentes, indecisos, boquiabertos, paralisados. Paralisados com o susto da liberdade. De um mundo em que temos, como diria Sartre, que nos equilibrar o tempo inteiro entre escolhas e consequências.

Um mundo que ao mesmo tempo que nos puxa para baixo e pesa o nosso coração com o nada, engrandece-nos e permiti-nos dançar entre as nuvens com os seus recantos de poesia. Essa é a vida, com suas contradições e ambivalências, a qual buscamos com a nossa finitude compreender.

Por mais que busquemos, há sempre algo que nos escapa na imensidão da vida. O tempo controla as suas próprias coordenadas, de modo que não temos como compreender todos os seus caminhos, as suas escolhas e o que ele quer de nós. É como se tivéssemos tanto para fazer, tanta potência de vida dentro de nós, mas não soubéssemos bem o que, de fato, fazer, como fazer, por onde andar. E, diante dessa incognoscibilidade do tempo, é como se ele escorresse pelas nossas mãos, deixando-nos cada vez mais assustados.

Como se não bastasse, quantas vezes acreditando estar no caminho certo, não nos damos conta de que tomamos a estrada errada e, então, temos que recalcular a nossa rota a partir da nossa bússola interna? É o momento das travessias das tormentas, em que é necessário deixar tudo que não for essencial de lado, juntar o que realmente importa em uma mochila e tornar a se meter a andar pelas ruas solitárias da vida. É o momento do desencontro, da perda, do desassossego, da ruína, da entrega. É o momento em que a escuridão do universo parece maior e nós ainda mais fugazes e pueris.

Entretanto, são exatamente nestes instantes que a vida também proporciona viradas e possibilita encontros, chegadas, sossegos, construções. Bem como, a reprodução de vagalumes, que se espalham como luzes harmoniosas para celebrar as nossas contradições. Celebrar a fusão do homem com o mundo. Do finito com o infinito. Do transitório com o duradouro. Do instante com o eterno. Do profano com o divino.

E a partir da compreensão das nossas contradições, passamos a melhor entender as contradições do universo, as quais invariavelmente estamos submetidos. É como se passássemos a entender a não-linearidade do tempo como algo que nos é próprio e, portanto, cognoscível. Porque a nossa vida é como um quebra-cabeça temporal, que vai se formando aos poucos, de tal maneira que muitas das peças que em determinado momento parecem inúteis, em outros são as chaves para elucidar grandes problemas.

Assim, passamos a nos lambuzar no jubilo da perdição, porque às vezes é preciso que nos percamos para que possamos nos encontrar e, então, transformar – como escreveu Galeano – medos em coragens, dúvidas em certezas, sonhos em realidades, delírios em razão, perdas em achados. Transformar o fio da navalha, por onde a vida sinuosamente caminha, em espaço lúdico de nossas astúcias, porque é preciso se queimar para se tornar fogo, já que o renascimento só acontece por meio das cinzas.

Imagem de capa: AstroStar/shutterstock







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