É melhor não ser feliz demais

‘É melhor não ser feliz demais’ – dizem os olhares das pessoas, os pontos de ônibus, o gerente do banco, o porteiro do prédio, as bancas de jornais…

O mais ou menos é sempre mais aceitável. O mundo parece preferir pessoas medianas, mornas, de poucos sorrisos e pouco choro. Que se conformam e seguem seus destino e desalinhos. Impressionante como estar bem (e mostrar isso) atinge as pessoas.

É melhor não ser feliz demais, demonstrar que vai tudo bem, sorrir por aí sem culpa, sem pesos, sem ligar para os julgamentos. Deve haver algo errado com alguém que gosta da paz, que evita cair em provocações, que desvia dos joguinhos, que tenta expressar os sentimentos sem medo do que os outros vão pensar.

Deve haver algo errado com quem acorda sorrindo e em alguns dias, simplesmente sente que não há nada para reclamar. Realmente está tudo bem. Não que tudo esteja perfeito, não que o mundo seja só belezas, mas a gente vai fazendo o que pode, vai cuidando dos arredores, vai caprichando nos pequenos feitos e colocando boas intenções, e aprendendo com os tropeços, encarando com coragem, força e leveza o que surge, sabendo que a vida é mistério e milagre, e ela desabrocha o que a gente planta.

Mas que estranho é sair assim de casa vestido de asas e sorrisos, pode ser que você entre numa padaria e seja mal atendido, pode ser que você diga na rua um ‘bom dia’ e te respondam ‘o que é que tem de bom nisso?’, pode ser que a sua vida que parece estar indo tão bem irrite profundamente quem tem caminhões de coisas para reclamar e pouca força para mudar.

É.. desconfiam de quem faz da vida o que quiser, quem não se culpa, não se fere tanto, explicam sua vida como fácil, eliminando todo o aprendizado que você desenvolveu em todos esses anos de caminhada. Julgam como sorte, folga, trapaça… Procuram explicar a sua paz interior. Não entendem que se você sorri hoje descompromissadamente talvez já tenha chorado muito antes.

Tentam provocar a sua ira, afinal como pode todo mundo se dando mal e você estar tranquila?! Como pode mais ação do que reclamação? Como pode essa ousadia para transformar sonhos em realidade, se o mundo é uma coisa tão mais complexa, burocrática e chata?

É melhor você ir sorrir pra lá, é melhor você não se aproximar muito das proteções amargas das pessoas, das verdades inquestionáveis e do determinismo conformado.

É melhor você não vir aqui e tentar mudar a minha realidade compacta. Eu já me acostumei, eu já me adaptei, eu já fechei os olhos e absorvi o cinza do mundo. Ninguém confia em quem chega assim tentando colorir o dia. Ninguém confia em quem não acredita que a vida é apenas um fardo. Ninguém aceita a pessoa que desvia o corpo e a alma das fofocas, dos olhos gordos, das más energias.

Quem não absorve tudo o que vê por aí, porque acredita que preservar-se inteiro, com compaixão sim, mas sem tanta empatia, é a melhor filosofia.

É, meu amigo, o mundo parece nos dizer todos os dias ‘é melhor não ser feliz demais’. Mas, bem na verdade, eu acho que a gente deveria!







Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.