É aos poucos que tudo se ajeita

A gente não quer sentir dor. Não quer sentir aflição. Não deseja experimentar o desamparo nem a solidão. Mas vez ou outra sentimos. Vez ou outra o medo vem nos visitar e a angústia nos faz companhia. E descobrimos que isso nos torna vivos também. Isso faz parte da condição humana, que não é só forte e bem resolvida o tempo todo, mas também é feita de desassossegos e inquietações.

“A angústia é um privilégio de quem está completamente dentro da vida”. A frase, de Maria Ribeiro, me fisgou nesse momento em que aguardo ansiosa o lançamento do meu segundo livro. Faltam dois dias. Dois dias em que a ansiedade e a angústia fazem parte do repertório de sensações que experimento. Mas constato que nunca me senti tão viva. Nunca me senti tão à flor da pele e tão humana.

Sentir-se no alto de uma montanha russa faz parte dessa aventura que é a vida; entender que vamos suportar a descida e encontrar sentido nas curvas do caminho nos dá coragem para abrir os olhos e soltar as mãos, cientes de que no fim, a angústia foi um combustível importante também.

De vez em quando somos tentados a tirar alguém da tristeza. Mas ela tem sua utilidade e seu tempo. Tem a serventia de nos equilibrar, de nos posicionar corretamente na vida, de trazer clareza e lucidez. Nos torna mais reflexivos e criativos, pois nos impulsiona a encontrar recursos para atravessar o deserto, para transpor os rios, para desbravar as subidas e romper os cadeados.

Todo mundo sente angústia vez ou outra na vida. E é um erro acreditar que só porque alguém parece ter a “vida perfeita”, não sente medo e solidão. Só porque aparenta ter equilíbrio e sofisticação, não experimenta ausência e inadequação.

A felicidade é feita de altos e baixos, e é assim pra todo mundo. Temos o costume de superestimar a felicidade alheia e nos ressentir de nossa própria realidade. Esquecemos que na vida real qualquer um pode acordar num dia imperfeito, sentindo-se desajustado, carente de respostas e com o coração cheio de lembranças. Isso é premissa para sentir-se vivo também, e quem nunca experimentou esses sentimentos vive em outro planeta ou está mentindo.

É aos poucos que tudo se ajeita. Aos poucos que a gente entende que de vez em quando a alegria se atrasa, mas não vai embora de nós. É suavemente que a gente compreende que de repente tudo se enche de significado de novo, as peças se encaixam, a roupa serve, a intuição flui, o riso irrompe. Sim, a vida é linda e espantosa…

Tenho me reconciliado com minhas aflições. Andado de mãos dadas com minhas imperfeições. Aceitado que meu caminho não está imune a rasuras e correções. Entendendo que só errando e não tendo medo de tentar novamente é que irei crescer e me fortalecer. Descobrindo que não preciso adiar a angústia de estar viva só porque ela me lembra que o tempo é escasso e tudo passa, mas reconhecer que ela dá significado ao mosaico de peças de que sou feita. Pois na vida tudo se ajeita, basta ter uma fé enorme de que, sem urgências ou impaciências, encontrarei a dança perfeita…

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Imagem de capa: Aleshyn_Andrei  / Shutterstock

 







Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.