Dos detalhes vistos por alguém além da gente

Imagem de capa: Ekaterina Garyuk/shutterstock

Quando eu era menor, tinha uma questão existencial que sempre me visitava, à noite, antes de cair no sono. Eu pensava sobre determinado assunto e, de repente, eu me perguntava se alguém ou quantas pessoas no mundo estavam pensando naquilo ou passando por uma situação igual à minha naquele exato momento.

Se eu estivesse contando ovelhinhas pulando a cerca, por exemplo, perguntava-me se havia alguém, naquele mesmo instante, contando suas ovelhinhas também. Se eu estivesse sem conseguir dormir, perguntava-me quantas crianças, no mundo todo, estariam deitadas em suas camas, na tentativa de pegar no sono.

O curioso é que esse pensamento não me vinha quando eu estava ouvindo o jogo do Campinense (meu time de coração), na rádio, no domingo à tarde, ou assistindo ao Bom Dia e Companhia pela manhã. Só à noite, quando eu estava fazendo algo que me parecia estatisticamente improvável que alguém reproduzisse igualmente, na mesma hora.

O improvável é um componente importante nessa história.

A ideia de ter alguém compartilhando do mesmo – improvável – sentimento, talvez por perto, talvez do outro lado do mundo, encantava-me, impressionava-me. Ainda me impressiona, admito.

Ontem, parei em um horário para olhar o céu e coloquei em prática meu costume de fotografá-lo. Detalhe: um avião, daqueles que deixam um rastro de fumaça pelo caminho que fazem, tinha atravessado o céu momentos antes. O resultado que obtive foi uma paisagem repleta de nuvens, cortada por uma linha reta branca e mais densa (a fumaça deixada pelo avião).

Agora é chegada a hora em que a modernidade líquida concretiza questões existenciais de minha infância.

Horas depois, dei uma olhada no Stories do Instagram e presenciei uma, duas, três fotos de pessoas aleatórias, semelhantes à minha, com o tal risco mais denso no céu. Automaticamente vieram à memória meus questionamentos infantis.

A Mísia de hoje não se perguntou se havia alguém que, como ela, estava pensando ou presenciando o céu da cidade naquele mesmo horário, porém recebeu uma resposta, mesmo que não requisitada. Talvez os dados coletados não sejam exatamente confiáveis, mas são um sinal, não é? Às vezes, a aprovação científica não é tão necessária assim.

Hoje, eu poderia responder, sem maiores delongas, à Mísia menor: é, sim, possível – mesmo que a probabilidade não esteja inclinada a seu favor – que alguém esteja fazendo ou pensando em algo igual a você neste mesmo instante. É inclusive reconfortante, não é? Talvez por isso gostasse da ideia. Faz parecer que, de alguma forma, estamos conectados uns aos outros, que não somos assim tão sós, que a modernidade não é lá tão líquida assim.







Paraibana (Campinense) estudante de Psicologia que tem a cabeça nas nuvens, pés no chão e um fraco por causas perdidas.