Brilho eterno de uma mente sem lembranças: Vale a pena esquecer um amor?

Um dia você acorda e se depara com uma carta, onde está escrito que alguém muito importante na sua vida decidiu esquecer você. Como você reagiria? Como aceitar que o outro, tão essencial a nossa vida, quer nos deixar? Como aceitar que o amor acabou e que o ser amado quer ir embora, viver outro romance, seguir em frente? Pois bem, essa é a realidade apresentada no filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”.

A temática do filme vem ao encontro da forma como lidamos com os sentimentos, ou não lidamos. As relações humanas são cheias de complexidades, idas e vindas, perdas, reencontros, e, muitas vezes, preferimos evitar nos relacionarmos, a fim de não sofrer com todos esses problemas que inevitavelmente surgem em qualquer relação.

No entanto, ao evitarmos as dores que os relacionamentos podem trazer, automaticamente também deixamos de viver maravilhas que só sentimos por meio do amor. E aqui o filme é brilhante, pois, ao submeter-se ao procedimento que descarta todas as memórias que o ligam a sua amada, o protagonista do filme – Joel – percebe que, ao descartar as memórias ruins, por consequência descartará as boas. Logo, os melhores momentos que tivera também serão apagados da sua memória.

Desse modo, surge a problemática. Vale a pena manter as memórias de um amor, ainda que nelas existam dores e tristezas? É sabido que o excesso de memórias pode paralisar a vida de um indivíduo, assim como o riso está diretamente ligado ao esquecimento. Para perdoar, sobretudo nós mesmos, e seguir em frente, é necessário esquecer algumas coisas, pois o excesso de bagagem pode tornar a viagem por demais exaustiva.

Todavia, nem todas as memórias podem ser esquecidas, pois um homem sem memórias é um homem sem vida, sem personalidade, sem identidade. Além do que, como exposto no filme, algumas pessoas podem nos trazer memórias ruins, bem como memórias maravilhosas, as quais podem ser um refúgio em dias tristes.

Não somos perfeitos, então, não existem relacionamentos perfeitos. Sempre haverá rusgas, brigas e decepções, mas o crescimento e o amadurecimento emocional dependem da forma como lidamos com esses amargores que sentimos ao longo da vida. Aliás, as experiências dolorosas servem como parâmetro para situações futuras. Ou seja, a forma como devemos nos portar, perceber quando algo for uma furada, ter mais paciência em determinados casos, saber medir as palavras e, às vezes, não medi-las.

Ao contrário da cultura contemporânea, a qual prega a “felicidade” o tempo inteiro e cobra resultados imediatistas, inclusive nos relacionamentos, todo relacionamento é um processo e, como todo processo, existem dificuldades. Amar alguém pressupõe esforço e o risco de se dar mal. Não se envolver por medo de se machucar apenas impede que existam memórias que marcam tão lindamente a vida, como se fossem notas de uma melodia de Mozart.

Apagar alguém completamente da memória pode fazer esquecer esse alguém, mas não impede que você se envolva em outro relacionamento e se machuque novamente. Cair faz parte da vida; o importante é qual aprendizado tiramos dessas situações dolorosas.

Quanto mais vivemos, mais descobrimos sobre a vida, sobre o ser humano, sobre a alegria e sobre a tristeza. Crescer é saber que, indubitavelmente, vamos deixando de ser inocentes e vamos enxergando a vida como ela é. Contudo, isso não impede que continuemos a sonhar e a acreditar no amor.

Os esquecidos podem tirar melhor proveito dos seus equívocos, como diz Nietzsche, e é lembrado no filme, mas nada substitui a felicidade de memórias compartilhadas, guardadas em um lugar inacessível ao esquecimento e ao passar do tempo. Pois, lembrando Galeano, a memória não perde o que merece ser salvo.

Nos pensamentos de Joel, a sua amada – Clementine – conseguiu, de alguma forma, fazê-lo reencontrá-la. Não porque ela era perfeita, mas porque ele a amava de todo o seu coração e acreditava que, apesar de todos os problemas por que passariam, de todas as suas tristezas e fobias, estava disposto a trabalhar para que o amor deles desse certo, pois todas as dores compensam a dádiva de estar com a pessoa certa, exatamente onde se poderia estar e fazer do tempo apenas um contemplador de um amor inesquecível.







"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: [email protected]