Autocrítica em demasia pode fazer mal a saúde

Muitas pessoas confundem autoavaliação com autocrítica. A autoavaliação é fundamental para uma vida saudável, para o crescimento. É preciso fazer constantemente um balanço dos nossos erros e acertos para que possamos corrigir o que não vai bem. Mas a autocrítica em demasia pode ser altamente nociva para a autoestima e sempre resulta em paralisia, sentimento de menos valia e doenças como depressão e síndrome do pânico.

Na autoavaliação, um erro é apenas algo que deve ser corrigido e superado. Como quando fazemos um doce e erramos o ponto: aprendemos que da próxima vez devemos desligar o fogo alguns minutinhos antes e pronto.

Na autocrítica, um erro torna-se sinal de falha e fracasso e ao acreditarmos que falhamos somos tomados pelo sentimento de culpa. E a culpa, como sabemos, paralisa.

Somos deveras criticados por todos ao nosso redor: amigos de trabalho, chefes, pais, namorado, filhos, irmãos, cachorro e papagaio. Sempre haverá alguém com o dedo em riste apontando nossas falhas e/ou julgando nossos traços de personalidade como se fossem falhas.

Para quê, então, sermos mais um nessa roda insana de críticas diárias?

A literatura apresenta diversos tratados sobre a inexorável experiência de sermos julgados e criticados pelos outros (e por nós mesmos). O livro Crime e Castigo, de Dostoiévski, talvez seja o mais emblemático, mas Albert Camus, em A Queda, nos entrega de maneira mastigada a proposta de reflexão do escritor russo ao dizer, por exemplo: “Não é necessário existir Deus para criar a culpabilidade, nem para castigar. Para isso, bastam os nossos semelhantes, ajudados por nós mesmos”; “Não espere pelo Juízo Final. Ele se realiza todos os dias”; “Quando formos todos culpados, será a democracia”.

Pois bem, proponho um exercício. Imagine que você está num show de rock, no Rock in Rio, no meio daquela multidão de pessoas e estímulos visuais, e, de repente, avista uma criança de três anos de idade perdida e chorando muito. Qual a sua primeira reação ao se deparar com essa criança?

Pegá-la no colo, pedir para que ela se acalme, dizer que vai ajudá-la a encontrar a mamãe e o papai, certo? Provavelmente você tentará ofertar água, tentará distraí-la e acolhê-la.

Qual seria o segundo passo? Buscar ajuda. Procurar algum segurança, pedir para anunciarem no microfone, etc.

Quando cometemos um erro que provoca vergonha, um erro que gera consequências desagradáveis, sentimos tanto medo e terror quanto a criança de três anos perdida no Rock in Rio. E o que fazemos com a nossa criança medrosa?

Gritamos com ela. Xingamos ela de idiota, dizemos que ela tinha a obrigação de “não soltar a mão dos pais”, chacoalhamos ela e dizemos “a culpa é toda sua” e mais, dizemos a ela que por conta do seu erro “ela ficará sozinha para sempre e nunca mais vai encontrar os pais”.

Se fizéssemos isso com a criança hipotética do Rock in Rio, o que aconteceria? A criança apenas choraria ainda mais e poderia até morrer sufocada diante de tanto terror. No mínimo ficaria paralisada sem conseguir sair do lugar.

Pois é exatamente o que acontece conosco quando nos autocriticamos, nos julgamos, sentimos culpa e nos punimos: paralisamos.

E a paralisia vira mais culpa, que vira impotência, que vira medo, que vira pânico, que vira ansiedade, que vira tristeza e distorção da autoimagem (autoestima baixa), que vira doença, que vira depressão.

Que tal da próxima vez que cometer um erro, seja ele qual for, acolher sua criança interna? Ouvir o que ela tem a dizer, acalmá-la e depois buscar uma solução?
Você não tentaria ajudar uma criança perdida e aterrorizada de medo no Rock in Rio? Não tentaria uma solução para ajudá-la, como pedir para anunciarem no microfone?

Que tal fazer o mesmo com você? Acalmar, acolher e depois buscar ajuda e solução, buscar um “anúncio no microfone”?

A culpa embota os sentidos. Cega. Distorce as coisas. Imbuído de culpa, ninguém consegue corrigir um erro, e sem corrigir nossos erros jamais vamos crescer.
Parafraseando Drummond, digo que a autoavaliação é inevitável (fundamental!), mas a autocrítica é opcional.

Lembrando que: é errando que se aprende.







Mônica Montone é formada em Psicologia pela PUC-RJ e escritora. Autora dos livros Mulher de minutos, Sexo, champanhe e tchau e A louca do castelo.