Antes duas mãos vazias e todos os pássaros voando

Quem me dera fosse certo esse ser que diz que bastaria sua presença em minha vida para eu ser feliz. Que esse tempo que consumo com o que me dá prazer, e esse gosto que degusto da vida às vezes é trabalho, às vezes é lazer, é tempo perdido se não lhe dou espaço para adentrar no meu universo.

Confundem retiro com fuga, escolha com falta de abertura. Que liberdade me ditam, que não posso simplesmente saber do que preciso? Por acaso tenho pedido ajuda? Não. Que esses bondosos mosqueteiros possam procurar suas donzelas em perigo. Estou mais para uma amazona cavalgando no prado.

Em lugar de uma noite de sexo, ando preferindo um amigo, um filme, um livro, uma noite contemplando o horizonte. Ando preferindo relações de laços e redes tecidas pela natureza das intensidades, em vez de nós embrutecidos pelos embaraços. Ando refletindo, reorientando meu caminho, e só.

Tenho visto o desespero para além das marquises e dos corpos que se abandonam nas esquinas. Tenho visto o desespero nesses corpos famintos de interesse prometendo soluções para a vida alheia, até destilarem em suspiros prazerosos suas boas intenções. Depois passarão pelos corredores como estranhos.

Troco essas promessas de salvação por novos figurinos para minhas esperanças que contracenam Sonhos de Vigília. Troco esse cofre de ilusões cumulativas por um vale de possibilidades. Troco esse fardo de convenções impositivas por um trago de liberdade.

Conversando com o vazio, descobri seus artifícios – é no vazio que há espaço para os acontecimentos, é o vazio, o espaço latente para a vida. Passando, vou, vejo o que quero deixar, o que quero levar. Que as bagagens sejam leves para poder dançar os tangos das surpresas.

Não me disponho a estar presa, quando finalmente encontrar a centelha de vida que iluminará minha existência. Até lá, alegro-me em acender minhas velas e brincar formas nas sombras. Ter as mãos vazias para colher frutos, dar piruetas, nadar nos rios, experimentar a textura das coisas, cruzá-las sob a nuca, enquanto deitada na relva, acompanho o voo dos pássaros.

Deixo a gaiola aos que temem a imensidão do céu. Deixo as mãos cheias aos que se esquecem da fugacidade da vida. Deixo as lágrimas pelos pássaros cativos e pelas mãos enrijecidas. Deixo ir… Mantenho as mãos livres e os pássaros voando. Procuro o voo meu. Hora dessas, um pássaro livre me pousa no ombro.

Texto revisado por Flávia Figueirêdo







Peregrina de territórios abstratos, graduou-se em Psicologia, trocou o mestrado e uma potencial carreira por uma aventura na Letras e acabou forasteireando nas artes. Cruzando por uma vida de territórios insólitos, perseveram a escrita, a poesia e o olhar crítico, cristalino e estrangeiro de todos os lugares.