Alice através do Espelho

Alice através do Espelho é um filme estadunidense, que traz a continuação hipotética de Alice no País das Maravilhas, sendo baseado no romance homônimo de Lewis Carroll.

O filme inicia com Alice navegando em alto mar com o navio de seu pai. Ela passa três anos em uma expedição que foi até a China. Após o seu regresso ela descobre que seu ex-noivo, Hamish Ascot, assumiu a empresa de seu pai e planeja vendê-la, junto com o navio de seu pai em troca da hipoteca da casa.

Alice então se mostra independente, audaciosa e muito apegada a imagem do pai que nesse filme já faleceu. Ela ainda se mostra bastante resistente a mãe, que ela enxerga como passiva e dependente.

Isso sugere uma característica daquilo que Carl Jung nomeia de complexo materno negativo.

A mulher com esse tipo de complexo tem como lema: qualquer coisa menos ser como a mãe! (Jung, 2008). E são exatamente essas palavras que Alice profere contra a mãe – ela não quer ser como ela.

Jung (2008), ainda diz que seus instintos concentram-se na mãe, sob a forma de defesa, produzindo uma violenta resistência ou falta de interesse por tudo o que representa família, comunidade, sociedade, convenção, etc. A resistência contra a mãe, enquanto uterus, manifesta-se muitas vezes através de distúrbios da menstruação, dificuldade de engravidar, horror da gravidez, hemorragias e vômitos durante a gravidez, partos prematuros, etc.

No entanto, a partir da defesa contra a mãe verifica-se um desenvolvimento espontâneo da inteligência, com o intuito de criar uma esfera em que a mãe não exista. O propósito é quebrar o poder da mãe através da crítica intelectual e cultura superior, de modo a mostrar-lhe toda a sua estupidez, seus erros lógicos e formação deficiente. O desenvolvimento intelectual é acompanhado de uma emergência de traços masculinos (Jung, 2008).

Com o avento do Patriarcado em nossa sociedade Ocidental – que reprimiu o Matriarcado e tudo o que se relaciona ao Matriarcado – esse parece ser o modelo padrão da maioria das mulheres modernas. Às nossas mães e avós foi-lhes negado o direito de desenvolver o lado masculino de sua personalidade, e o movimento feminista trouxe a tona, em uma emergência emocional intensa, essa faceta a tona. E isso teve conseqüências benéficas e maléficas às mulheres atuais. E essa Alice espelha bem essa faceta, fazendo com que as mulheres se identifiquem com o personagem.

No aspecto patológico essa mulher pode se tornar desagradável, exigente e insatisfeita, principalmente no campo amoroso, uma vez que todo o seu ímpeto é um rebelar-se contra o que brota do fundo originário natural. Ela lesa seu mundo instintivo. Mas se ela renunciar a combater a mãe no sentido pessoal e mais restrito, ela se tornará inimiga de tudo o que é obscuro, pouco claro e ambíguo, preferindo colocar em primeiro plano o que é seguro, nítido e razoável. Ela superará sua irmã feminina no tocante à objetividade e clareza de julgamento (Jung, 2008).

Alice então, após entrar em conflito com o ex – noivo e a mãe, foge através de um espelho, retornando ao País das Maravilhas.

O espelho possui um aspecto simbólico muito forte. Significa o olhar para si mesmo, pois se vê a própria imagem.

Jung (2008) diz sobre o espelho:

“Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira. Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta.”

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foto divulgação

Por isso, Alice pode ser considerada uma heroína, pois para resolver seus conflitos, ela busca ajuda em si mesma e não fora.

Alice empreende uma viagem ao inconsciente, em um movimento regressivo. Lá ela reencontra seus antigos amigos. Sendo que um deles, O Chapeleiro Maluco, que se encontra com problemas: ele acredita que sua família ainda está viva. E a única forma de ajudar o Chapeleiro é voltando ao passado. E assim Alice parte ao encontro do Tempo.

O tempo é algo muito ligado a psique feminina herdado de nossas antepassadas. No filme a mãe de Alice se diz preocupada com a idade dela, pois segundo os padrões daquela sociedade a mulher em certa idade se torna inapta a arrumar um bom casamento. Em um nível inconsciente, herdamos essa preocupação, pois a mulher possui um relógio biológico natural, que é o tempo que duram os seus óvulos e seu tempo fértil.

Alice então entra em confronto no inconsciente com esse conflito relacionado ao tempo cronológico.

O tempo cronológico é parte da consciência. Nosso ego, nossa mente é capaz de se locomover pelo para o passado e para o futuro. E o que é pior, de vivermos constantemente neles.

Alice então parte em uma jornada para alterar o passado, para evitar que a família do Chapeleiro seja morta. Mas suas tentativas são frustradas e o que aconteceu  não muda. Na verdade ela percebe que voltar ao passado não vai mudá-lo, mas ela pode aprender com ele.

De fato, o único momento que podemos mudar é o presente.

Tentamos conservar a infância e a eterna juventude, e fugimos da realidade da vida. Mas essa só acontece no momento presente.

Aceitar que iremos envelhecer, que os cabelos brancos aparecerão e a pele enrugará é uma dificuldade imensa para o homem ocidental e principalmente para a mulher. Amadurecer em nossa sociedade atual é um grande problema, pois não aprendemos a lidar com a morte. No entanto, como diz Jung, a fuga da vida não nos liberta da lei do envelhecimento e da morte.

Negamos à libido o fluxo da vida quando negamos os estágios inevitáveis da vida. É por isso que atualmente, doenças psíquicas como a depressão e a ansiedade crônica, atingem números alarmantes.

E Alice no filme tenta fugir do Tempo e assim tentar impedir de assumir a responsabilidade de suas escolhas. A noção do tempo chegou e com isso as responsabilidades.

Alice fracassa em mudar o passado e voltando ao presente, descobre que é tarde demais, e que o Chapeleiro está à beira da morte. No entanto, ela aprendeu com a experiência.

A beira da morte o Chapeleiro perdeu suas cores e se tornou branco, sugerindo uma alusão a alquimia. O branco na alquimia se refere a albedo.

A albedo representa a brancura, à claridade, à purificação, à prata e à água.

Após um embate com fortes emoções como paixão, raiva, inveja, começamos a ter insights de como essa emoção surgiu. Fazemos um exame mental e mais racional dessas emoções e de como enfrentá-las. Isso é a albedo; fase onde temos clareza das emoções do que nos motivou a agir. Aceitamos nossa impotência, com uma pausa e uma sabedoria profundas.

No filme, após uma raiva intensa, uma indignação que moveu todos os outros personagens, o Chapeleiro, entra na albedo.

Se em Alice temos a heroína, que simboliza um modelo arquetípico a ser rentamenaspecto do seu Animus – seu lado masculino – que chama a sua atenção para o conflito.

O Animus, na mulher – quando desenvolvido – é a ponte que liga o ego feminino ao inconsciente e ao Self. E esse processo da Albedo, enquanto pausa é um rito de passagem, pois não se consegue permanecer nesse estado para sempre. Por isso, Alice está em um rito de passagem, de amadurecimento. Ela está em uma transição de vida.

Alice ao compreender seu conflito com o Tempo, com a imagem materna. Encarar e mudar suas crenças, ideias ultrapassadas, permite que o Chapeleiro volte a vida, e retome sua cor. O vermelho vivo de seus cabelos, mostra uma alusão a rubedo, outra fase da Alquimia.

A rubedo se associa ao vermelho, sangue, vida. É a ressurreição de uma nova identidade após o momento de reflexão, com mais consciência e alegria. Momento onde renasce em um fogo maior, que nos liga mais profundamente à vida. Aqui se volta a ter desejo, nos sentimos heróicos novamente.

Alice então parte na jornada de resgate da família do Chapeleiro e após o enfrentamento com a Rainha Vermelha e o Tempo, ela volta à consciência, assimilando a porção materna rejeitada em si e promovendo a transformação dela e da própria mãe.

Ela se torna mais madura, mais integrada e pode partir em sua nova jornada ao mar.

Referências bibliográficas:

EDINGER, E.F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.







Analista Junguiana, especialista em contos de fadas e Mitologia, escritora, professora e palestrante.