A Páscoa no divã

Na tradição judaico-cristã comemora-se nesta época a epopéia em que o povo Hebreu se envolveu no Egito. Um líder, que segundo os relatos, tinha problemas de dicção e se expressava para multidões. Homem que sobe ao monte e volta com a missão de resgatar o povo sob o jugo de Faraó.

Em um cenário de feitiçarias e milagres o povo é liberto; nem mesmo os ossos de José ficam para trás. Faraó se arrepende, e o povo Hebreu entre os cavalos ferozes dos Egípcios e o mar, se encontra sem alternativas. O herói clama e Iahveh responde, o mar se abre, o povo eleito passa sem se molhar. Os soldados furiosos se atrevem ao mar que ao sinal de Moisés, engole os perseguidores. É feita a passagem para o outro lado, dá-se a Páscoa (Pesah), a saída da escravidão, o encontro com a liberdade.

Em tempos em que este evento de tamanha relevância ganha espaço em telenovelas e cinemas, interessa-nos o simbolismo dos possíveis acontecimentos e menos a confirmação teológica e histórica da saga do povo Hebreu. Neste contexto podemos observá-la como uma Mitologia Judaico-Cristã que permite um olhar profundo do que representaria esta PASSAGEM em nossas vidas. A saída de um aprisionamento mental para um espaço ampliado, com possibilidades de resoluções ou identificações.

Ultrapassar o mar sem se molhar, é reconhecer a necessidade de retorno, de aprofundar em nosso ser e termos capacidade de identificar o que é Faraó em nossas vidas e resgatar a capacidade de iniciativa. O que nos aprisiona? Quais são os senhores escravocratas que cultivamos em nossas mentes? (Resistências e repressões).

A Páscoa mitológica permite aferir as implicações de estarmos alimentando o Faraó interno (vingança, opressão) e diminuindo a força mosaica (liberdade, auto-análise). Cabe criar condições para que possamos sair de uma relação destrutiva, seja sentimental, comercial ou principalmente com o passado, o qual nos digladiamos constantemente com a necessidade de recriá-lo; ambiente de reminiscências e languidez.

É preciso encontrar saída deste espaço, deixar alguns pertences para trás, inclusive os ossos de José. Cultuar os ossos seria um reflexo de nossos apegos e desejos desenfreados. Poderemos encontrar um mar revolto em frente, mas é preciso dar o primeiro passo em sua direção, querer mudar, ter o desejo de chegar ao outro lado e olhar para trás e reconhecer o esforço.

Quanto ao futuro, nem sempre conquistaremos a Terra Prometida, assim como Moisés a avistou, mas não entrou. Temos a opção de ser o Herói mitológico em nossas vidas e religar o que está perdido ou fragmentado, fugir da escravidão, atravessar o mar e ter o cuidado de não ficar perdido no deserto, como os Hebreus ficaram por 40 anos.

A mente é livre, mas carregar o chicote é uma opção. Boa Passagem!

Rafael Souza Carvalho é jornalista e não tem religião, mas acredita que o amor é suficiente para atravessar o mar.







Jornalista, apresentador do Sentinelas da Tupi (Rádio Tupi -RJ), Licenciado em História e Psicanalista em formação pala Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa.