A Compaixão, segundo Milan Kundera

O que faz uma pessoa ajudar um desconhecido ou, até mesmo, um desafeto? O que move alguém a mudar sua vida para lutar  por uma causa, salvar um animal ou amenizar a dor de alguém? A compaixão.

Trata-se de uma virtude ao alcance da maioria, mas, infelizmente, vivenciada por poucos.

Milan Kundera realiza uma descrição da origem da palavra e de suas correlações com “sentimentos menores” antes de chegar a sua máxima conclusão. Veja.

“[…]   Todas as línguas derivadas do latim formam a palavra “compaixão” com o prefixo “com” – e o radical “passio”, que originalmente significa “sofrimento”. E, outras líguas, por exemplo, em tcheco, em polonês, em alemão, em sueco, essa palavra se traduz por substantivo formado com prefixo equivalente seguido da palavra “sentimento” (em tcheco: “sou-cit”; em polones: “wspol-czucie”; em alemão “Mitge-fuhl”; em sueco: “med-kansla”)
   Nas línguas derivadas do latim, a palavra “compaixão” significa que mão se pode olhar o sofrimento do próximo com o coração frio; em outras palavras: sentimos simpatia por quem sofre. Uma outra palavra que tem mais ou menos o mesmo significado é “piedade” (em inglês “pity”, em iataliano “pietà”, etc.) que sugere mesmo uma espécie de indulgência sem relação ao ser que sofre. Ter piedade de uma mulher significa sentir-se mais favorecido do que ela ela, é inclinar-se, abaixar-se até ela.

   É por isso que a palavra “compaixão” inspira, em geral, desconfiança; designa um sentimento considerado de segunda ordem que não tem muito a ver com o amor. Amar alguém por compaixão não é amar de verdade.

   Nas línguas que formam a palavra “compaixão” não com o radical “passio”, “sofrimento”, mas com o substantivo “sentimento”, a palavra é empregada mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que ela designa um sentimento mau ou medíocre. A força secreta de sua etimologia banha a palavra com uma outra emoção: alegria, angústia, felicidade, dor. Essa compaixão (no sentido de soucit, wspolczucie, Mitgefuhl, medkansla) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva – a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo.”

(Trecho de A Insustentável Leveza do Ser, capitulo 9, Primeira parte: A leveza e o peso, p.20 e 21, Milan Kundera.)

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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.